Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Durante a semana, o Congresso está lidando com a “pauta-bomba”. O impacto estimado pode ultrapassar os R$ 100 bilhões. Com isso, é possível que o teto de gastos, instituído pela Emenda Constitucional 95, seja extrapolado já no ano que vem. Este teto visa a regular o crescimento das despesas da União, dando maior previsibilidade ao gasto e facilitando o atingimento das metas fiscais. Acontece que os projetos em discussão estão desafiando esta noção de zelo pelo erário. O mesmo Congresso que polemicamente aprovou esta medida prudencial, hoje não demonstra qualquer compostura na gestão do dinheiro público. E nem se importa com quem paga a conta.
A Fiocruz já alertou, através de estudo, que o congelamento dos gastos imposto pelo teto pode ter impacto severo sobre a mortalidade infantil. Ao corrigir os gastos em programas como Bolsa Família e Estratégia Saúde da Família apenas pela inflação, e não pelo número de pobres do país, estima-se que deixaríamos de evitar quase 20 mil mortes de crianças até 2030.
Uma resposta a este estudo seria que o teto dos gastos não prevê necessariamente congelamento para diferentes rubricas, mas trabalha com um teto global. Assim, manejos poderiam ser promovidos: privilegiar uma área em detrimento de outra. Poderia haver alguma priorização de programas de saúde básica, por exemplo, enquanto outra área menos sensível no momento pudesse abrir mão de recursos. É disso que trata a “pauta-bomba”, então? Embates por mais dinheiro para saúde, o que comprometerá o caixa, certo?
Não! O que estamos observando em Brasília é a materialização do argumento pelo qual sempre fui contra o teto dos gastos do modo como foi concebido: ele permite que se envie a conta dos interesses político-partidários ao mais pobre, ao mais fraco, àquele com pouca voz. É ingenuidade esperar priorização de programas de assistência social, por exemplo, quando o jogo de poder, em um país desigual como o Brasil, é o definidor.
Dos projetos em votação, a maior parte deles onera o Estado com incentivos fiscais para setores específicos do empresariado, aumentos para o funcionalismo, alívio de dívidas, entre outros. Não há debate sobre país. Há um show de irresponsabilidade regulamentado pela austeridade do teto dos gastos. Que ironia!