Por Montserrat Martins, médico psiquiatra
O mundo todo está perto de nós, com TV e internet nos ligando em tempo real a tudo. Numa hora estamos sofrendo o drama das crianças da Tailândia, noutra estamos vibrando com o feito inédito da pequena Croácia (do tamanho de um Uruguai) em chegar a uma final de Copa do Mundo!
Dizer que "é aqui" tem um duplo sentido: o que ocorre longe nos emociona, mas também tem paralelo com realidades próximas de nós. Tal como na Tailândia, temos muitas crianças em situações dramáticas aqui, mesmo fora de cavernas. E, tal como a Croácia, há grandes feitos de pessoas daqui, muitos dos quais nem sabemos.
Um jovem cientista brasileiro (Luiz Fernando da Silva Borges, de 19 anos, de Aquidauana, região do pantanal sul-mato-grossense) foi premiado no Exterior e só soube quem o viu no programa do Bial, tarde da noite, por acaso. Ele foi mais que premiado: seus trabalhos serviram para a evolução da biomedicina.
Um benefício importante para os pacientes foi a criação de uma prótese que permite às pessoas amputadas controlar as juntas e sentir as sensações dos movimentos. Feitos desse nível, façanhas de um jovem do interior que estudou em escolas públicas, são mais surpreendentes – e infelizmente desconhecidas – do que a simbólica chegada da Croácia a uma final de Copa.
Também são anônimas muitas tragédias e incontáveis sofrimentos das crianças brasileiras, ao contrário do que disse Edu Gaspar, coordenador técnico da Seleção Brasileira, que proferiu a bobagem do ano ao dizer que "é difícil ser Neymar". Difícil é ser uma criança moradora em periferia desassistida no Brasil, o resto é mimo e falta de vergonha na cara, como diria meu avô.
As celebridades têm um papel importante na sociedade, relacionado à nossa necessidade de lazer, de esporte, de novelas, mas, quando lhes falta de noção social prestam um "desserviço" à população, com o mau uso de sua notoriedade no exercício de egocentrismos.
Outra das contribuições do jovem cientista Luiz Fernando da Silva Borges é a de uma "máquina de fala" para pacientes em UTI, incapazes de movimentos, mas cujos padrões cerebrais poderiam ser identificados para detectar pensamentos e emoções.
Resta saber por que o jovem Luiz Fernando segue sendo um herói anônimo, com mais de 60 trabalhos científicos premiados no Exterior, vários de relevância para pacientes que necessitam de equipamentos de reabilitação na biomedicina, que é sua área de maior produção científica. Precisamos de uma máquina para detectar a causa de não estarmos debatendo os feitos dele, ou "como é difícil ser Luiz Fernando".