Desde que a Lava-Jato virou o mundo político nacional de cabeça para baixo, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia se convertido no porto seguro para a diluição dos conflitos e resolução dos dilemas institucionais que pairavam sobre Executivo e Legislativo, fortemente atingidos pela maior operação de combate à corrupção na história do Brasil. Já não é mais assim. Pelos movimentos a que se assiste nas últimas semanas, a começar pela série de solturas pelo ministro Gilmar Mendes, o STF também se vê agora engolfado pela sensação de que se corrói progressivamente a credibilidade da última linha de defesa contra os ataques à Lava-Jato.
É certo que, de maneira individual ou coletiva, em várias ocasiões do passado os ministros corrigiram equívocos, exageros ou mesmo desleixos de instâncias inferiores e do Ministério Público. Por mais que alguém possa se indignar com a desfaçatez da senadora Gleisi Hoffmann na defesa de correligionários condenados por corrupção, o STF, por meio da Segunda Turma, não cometeu nenhuma heresia jurídica ao definir que não bastam delações para se considerar alguém culpado de algum crime. Ao contrário, a decisão deve ser vista como um chamamento à razão contra a fúria inquisitória e a favor da busca incansável de provas que sustentem delações.
No entanto, não há como o país não ficar atônito diante do jogo de recursos e manobras infinitas que visam a, no fundo, preparar o terreno para a soltura de seu preso mais célebre, um plano que estava em pleno andamento até ser interceptado pelo TRF4 e pelo ministro Edson Fachin. A libertação prematura de um notório corrupto como José Dirceu, sentenciado em segunda instância a 30 anos e nove meses de prisão, é o sinal mais evidente de que existe algo de disfuncional no sistema jurídico brasileiro. Essa quase impossibilidade de se manter o ex-ministro na prisão, contra todas as provas e sentenças, reforça a inquietante sensação de que alguns membros do STF decidiram, ainda que de forma individual e transitória, usar a força da toga para intervir no cenário político do país.
Justa ou não, essa percepção não faz bem ao STF, à democracia e ao país. Antes que o STF seja arrastado de vez pela descrença que assombra os outros poderes, é preciso restabelecer o primado da razão e do ordenamento jurídico, sem gestos quixotescos mas também sem subterfúgios que desgastem ainda mais a imagem da corte suprema.