Por Túlio Barbosa, procurador de Justiça
Envolvido na fracassada tarefa de defender as casas da Rua Luciana de Abreu, interessa-me, aqui, refletir genericamente sobre o processo que imobiliza a sociedade e essas estruturas no tempo, fazendo-as presas indefesas de esquecimento demolições pré-anunciadas.
Em primeiro lugar, subjaz à polêmica a consagração da estética europeia evidenciadora do sucesso econômico dos que enriqueceram no Novo Mundo. Há pouca controvérsia sobre imóveis de arquitetura açoriana, diversa da continental, e muito menos, ainda, sobre arquitetura quilombola. Essa sujeição não é aleatória, na medida em que a Constituição Federal estabelece serem patrimônio cultural bens materiais que sejam portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade. Ora, as casas senhoriais dos nativos e dos imigrantes bem sucedidos representam, sem dúvida, a formação de nossa sociedade, tanto a nacional quanto a regional e a local.
Em segundo, é esse reflexo econômico-social dos prédios a integrarem o patrimônio histórico que embaraça os procedimentos administrativos e judiciais para sua preservação. O exotismo da reprodução aqui dos padrões arquitetônicos das pátrias de origem não está alinhado ao padrão de vida da população que não atingiu sucesso econômico. Com isso, o investimento público na conservação e restauração dessas mansões nem sempre se mostra justificável ou conveniente. Isto é, a participação do Estado na conservação desses imóveis é sempre deficitária e caudatária tanto de influxos ideológicos quanto da escassez das verbas públicas.
Em terceiro, a desproteção da propriedade privada, com atribuição de altos custos de manutenção aos donos, impossibilitados de fruírem e de disporem de seus bens, produz visceral animosidade para com os direitos coletivos. Ora, a propriedade privada tem ainda mais sentido para os que venceram economicamente, de modo individual ou familiar, mesmo quando as ruínas são evidência do término de um período de luxo e ostentação. Muitas vezes esses imóveis já não têm mais condições de uso, deixando de gerar renda e exigindo vultosos recursos para preservação da estrutura, fazendo da propriedade uma autêntica armadilha econômica.
Em quarto, o Decreto-lei 25 de 1937, mantido em vigor pelo vigente Código de Processo Civil, e acolhido pela jurisprudência local e dos tribunais superiores, estabelece ser de responsabilidade pública a conservação de imóvel tombado, quando o proprietário não dispuser de recursos suficientes.
Em suma: a atribuição de valor histórico e cultural a um imóvel deve desconsiderar euforias extravagantes, decorrer da relevância e da efetiva utilidade social do bem, atentar o máximo possível para o exercício da propriedade privada, estar vinculada à disposição de recursos públicos e à concorrência da iniciativa privada.