Por Marciano Buffon, professor da Escola de Direito da Unisinos
Nos idos anos 70 do século passado, o grande jurista gaúcho Alfredo Augusto Becker qualificou a forma de tributar brasileira como um "manicômio jurídico-tributário". Não obstante seu anacronismo, bem como o necessário respeito aos portadores de doenças mentais, tal expressão consagrou-se como verdadeiro jargão no meio acadêmico, muito embora o saudoso jurista jamais tenha imaginado o quanto de insanidade seria possível adicionar àqueles pequenos desvios comportamentais da tributação do século 20.
No caso dos combustíveis, além de um grau de loucura irrefreável, há requintes de verdadeira perversidade, em que o cidadão é espoliado de uma forma imperceptível e, portanto, indolor, não obstante a doença o consuma progressivamente. Cada ator cumpre seu papel de uma forma digna de premiação.
O governo federal cobra antecipadamente PIS/Cofins sobre a gasolina (R$ 0,7925 litro) e o diesel (R$ 0,4615), sendo que, em julho de 2017, houve uma significativa majoração dos valores cobrados mediante a edição, pelo presidente da República, de um inconstitucional decreto, que não respeitou o princípio da legalidade, nem da anterioridade nonagesimal, como exige a Constituição brasileira. Além disso, exige a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) desde 2001 (Lei 10.336), cuja cobrança só foi legitimada pelo fato de que serviria para neutralizar os efeitos da volatilidade dos preços do barril do petróleo e do próprio câmbio. Atualmente, esta contribuição corresponde a R$ 0,10 sobre a gasolina e R$ 0,05 sobre o diesel. Ora, se os repasses de obscuros custos da Petrobras ocorrem quase que diariamente, os requisitos para cobrança dessa malfadada contribuição deixam de estar presentes, tornando-a inconstitucional!
Os Estados também não decepcionam. No Rio Grande do Sul, exige-se, antecipadamente, ICMS à alíquota de 30% (outros Estados, 25%) sobre o preço de venda ao consumidor, cuja base para cálculo é reajustada periodicamente para acompanhar a sistemática majoração. Ou seja, cria-se a insana situação de aumentar o ICMS porque se aumentou o preço e, com isso, reajusta-se novamente o preço, pois o imposto estadual foi majorado! Sirvam nossas façanhas... embora essa façanha não seja exclusivamente gaudéria.
Neste cenário, seria possível modificar esta sistemática? Não só possível, mas imprescindível, pois tanto PIS/Cofins como Cide não conseguem sobreviver a um controle de constitucionalidade (o STF ainda não teve "tempo" de fazer isso em relação ao PIS/Cofins majorado em julho/2017). Ainda, poderia haver a redução da alíquota do ICMS ou manutenção de base de cálculo por períodos mais extensos, sem a submissão aos efeitos da volatilidade.
Enfim, se Becker hoje vivesse, provavelmente sentiria até certo constrangimento em qualificar de manicômio jurídico-tributário o que se fazia nos anos 1960 no Brasil, ou poderia ser alçado à condição de um Nostradamus contemporâneo, pois previu a institucionalização da insanidade coletiva no campo da tributação.