É impossível ler a reportagem da ZH do último fim de semana sobre a morte da menina Naiara sem ficar revoltado e profundamente triste com a incompetência, inércia e falta de coordenação dos órgãos públicos que têm o dever de zelar pelas pessoas mais vulneráveis. A menina foi caçada em plena rua da segunda maior e mais rica cidade do RS, enquanto percorria sozinha e a pé quatro quilômetros diários para ir à escola. E depois foi estuprada e morta pelo mesmo monstro que já havia feito algo semelhante com outra menina, de nove anos, e continuava solto! Onde estavam os órgãos que deveriam estar cuidando dela? Provavelmente sentados atrás de mesas, com ar-condicionado, salários pagos por nós, diárias, carros oficiais, ofícios, requerimentos, reuniões inúteis, em vez de estar onde as coisas acontecem.
A matéria é um desfile da falência de múltiplos órgãos públicos. Inicia-se com uma tia pobre, responsável pela guarda de três crianças, que, desempregada e sem noção, deixa uma criança ir sozinha à escola. A saga continua com uma polícia que não prendeu o monstro depois do primeiro crime praticado, com outra menina. Segue com a falta de interesse e coordenação de órgãos de Vacaria, Caxias e do governo do Estado, que não sabiam que ela não estava na mesma escola de seus irmãos ("por falta de vaga"!), que ia a pé e sozinha para a escola, que a tia estava desempregada, que não tinha dinheiro para pagar o transporte, que não sabia que podia ter outros benefícios e mais renda para cuidar dos menores, desembocando no Conselho Tutelar (para que serve, mesmo?), cuja conselheira teve a cara de pau de dizer: "Não temos bolinha de cristal para saber onde estão os problemas". Não sabiam de nada do que estava acontecendo na sua área de atuação.
Onde estavam o Ministério Público, a Brigada, o Judiciário, a prefeitura de Caxias, a Guarda Municipal, a FAS, o Cras, o Conselho Tutelar, os vizinhos, a sociedade?
Onde estavam o Ministério Público, a Brigada, o Judiciário, a prefeitura de Caxias, a Guarda Municipal, a FAS, o Cras, o Conselho Tutelar, os vizinhos, a sociedade? Ela morreu porque nenhum desses órgãos se comunica adequadamente com o outro.
Há poucos anos, aconteceu um caso que ilustra bem como esses órgãos funcionam. Uma educadora da ONG da qual participo da direção, soube através de fotos em uma rede social que uma ex-aluna da instituição aparecia em fotos no Facebook rodeada de homens em uma escura rua de um bairro na zona sul de POA. Fomos saber, e o pai da menina de 13 anos a estava prostituindo. Denunciamos imediatamente ao Conselho Tutelar. O que fizeram? Iam visitar a família, mas depois mudou o Conselho e nada foi feito. Alguns meses depois, ela estava grávida! O mesmo havia acontecido com sua irmã.
Quantas Naiaras neste momento estão pelas ruas? Quantas Naiaras terão que morrer para que os órgãos saiam de trás de suas mesas e realizem buscas ativas e se desloquem para onde estão os problemas? Como essas pessoas conseguem dormir direito? Falta um sentido de urgência a esses órgãos, já que estão em jogo vidas humanas! Isso vale para segurança, mas serve também para muitos outros. Ou alguém já não se perguntou o que fazia o Tribunal de Contas da União enquanto bilhões eram roubados, há anos, da Petrobras?