A forma de relacionamento entre Executivo e parlamentares no Brasil, que exige cada vez mais benesses e concessões negociadas com cargos e verbas públicas, sem qualquer critério a não ser o mais descarado fisiologismo, recebeu o nome polido de “presidencialismo de coalizão”. Nunca considerei tal denominação apropriada. Mas como se tornou usual na Ciência Política, e provindo eu de outra área, preferi não externar meu desconforto desde que Sérgio Abranches a consagrou há três décadas. O problema é que as palavras importam e impactam na área em que trabalho: a economia. A ideia era boa: num presidencialismo multipartidário, o partido que elege o Executivo raramente tem maioria. É preciso formar uma coalizão, a qual induz a compartilhamento de poderes com o Congresso, a lembrar um semiparlamentarismo. Assim, por exemplo, parece ter acontecido na experiência democrática entre 1946 e 1964, com a aliança entre PSD e PTB, os dois partidos criados por Vargas, formando com outros menores uma maioria parlamentar para respaldar o presidente.
Meu desconforto com a expressão tem a ver com seu uso a partir da Constituição de 1988. A fragmentação excessiva dos partidos, suas divisões internas e o descompromisso dos eleitos em seguir suas lideranças e programas levaram, na prática, à deformação da barganha. Não se trata de pressão política dos parlamentares – normal em qualquer democracia –, mas da regra mercadológica de que, sem prebendas e recompensas, cada vez mais caras, não há aprovação de projetos. Indo além, não são apenas investimentos para “atender as bases”, mas também para apropriação particular. O mandato virou um negócio, com chantagens feitas à luz do dia e sem qualquer pudor. Não há mais ideologia nem convicção política ou ética: aprova-se ou rejeita-se conforme a recompensa recebida. Seja quem for o chefe do Executivo, ele só sobrevive se acatar essa regra do jogo.
A denominação não é apropriada porque, a rigor, não há coalizão. Esta supõe um pacto, um arranjo institucional com certa estabilidade. Se em cada ocasião, mesmo para apreciação de denúncia de crimes graves, como ora ocorreu, depende-se do mercado de compra e venda de votos, não há, a rigor, coalizão. Por isso, para nominar tal modelo prefiro, com um grão de ironia, o título deste artigo.