O conflito entre gangues na Rocinha, no Rio de Janeiro, e a chacina na cidade norte-americana de Las Vegas reacenderam o debate no Brasil e nos Estados Unidos sobre a conveniência ou não da restrição às armas como forma de deter a violência. Nos textos da seção Duas Visões, articulistas expõem argumentos antagônicos sobre a questão. Para o sociólogo e professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (leia abaixo), seria ilusão a aposta na disseminação de armas como meio de defesa contra o crime. Já Diego Gomes Ferreira, advogado e um dos fundadores do Armas Pela Vida, aponta como ilusório o controle, pois é ignorado pelos criminosos.
Certa vez, ao fazer o balanço de seus oito anos na Presidência dos Estados Unidos da América, Barack Obama reconheceu como sua maior frustração não ter conseguido aprovar a restrição ao acesso às armas pelos cidadãos americanos. A cada nova chacina, como a que agora vitimou dezenas de pessoas inocentes em Las Vegas, o lamento de Obama se faz mais convincente.
No Brasil, a aprovação do Estatuto do Desarmamento em 2003 produziu resultados bastante efetivos na redução dos homicídios. Sendo uma das poucas políticas de segurança que contava com o apoio de amplos setores do espectro político e da sociedade civil, a entrada em vigor do Estatuto foi responsável por 121 mil mortes a menos, no período de 2003 a 2012, segundo pesquisa do Ipea.
Evidências empíricas comprovam que a disponibilidade de armas em casa faz aumentar o risco de suicídio, acidente e homicídio entre familiares, e não inibe a ação de criminosos, que contam com o fator surpresa. Ao contrário, a presença da arma aumenta o risco de vitimização de seu proprietário, que se torna um alvo para a ação criminosa. Por outro lado, ao contrário da crença de que o problema das armas no Brasil se relaciona apenas com a entrada ilegal de armamento pela fronteira, pesquisas mostraram que cerca de 75% das armas ilegais apreendidas pela polícia são pistolas e revólveres de fabricação nacional.
Armas em casa faz aumentar o risco de suicídio, acidente e homicídio entre familiares
É fato que nos últimos anos a decomposição das iniciativas nacionais de criação e consolidação de uma política nacional de segurança pública, integrando União, Estados e municípios, e o consequente aumento das estatísticas da violência em vários Estados têm produzido o ambiente propício para o questionamento do Estatuto, pelo aumento da insegurança e da desconfiança nos órgãos de segurança pública.
Em um país cuja história pode ser contada como a história social da violência e onde a conflitualidade social tem aumentado em diversos espaços sociais, fruto da dificuldade para construir caminhos mais democráticos e dialogais para a administração dos conflitos, a liberação da compra e do porte de arma para cidadãos a partir de 21 anos, como propõem alguns projetos em tramitação no Congresso, seria o caminho mais curto para um desastre de enormes proporções.
O caminho da redução da violência e do combate ao crime não pode ser esse. O processo de institucionalização do Estado moderno, que tem como resultado o sistema de Estados-nações contemporâneos, está relacionado com a consolidação do monopólio dos meios de violência legítima nas mãos do Estado. Para tanto, é constituído um sistema de vigilância e controle interno, baseado no policiamento ostensivo, na investigação criminal e no encaminhamento dos crimes ao sistema de justiça criminal. É preciso reconhecer sua superioridade frente a outros modelos de resposta ao delito, como a vingança privada.
A aposta na disseminação das armas como meio de defesa contra o crime é ilusória. Rende votos em uma sociedade amedrontada, mas não afeta a dinâmica geradora da criminalidade, podendo inclusive potencializá-la. Polícias mais profissionais e eficientes, inclusive para o recolhimento de armas, um sistema de justiça mais ágil e direcionado para a criminalidade violenta, a mudança das condições de encarceramento e a aposta nas políticas de prevenção ao crime são as que merecem o apoio e a adesão de todos os interessados na redução da violência.