O Brasil está preparado para candidaturas independentes, de políticos sem partido, como ocorre em vários países? Dois autores procuram responder à questão, que está por ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com textos sob diferentes ângulos na seção Duas Visões. O professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política/UFRGS Paulo Peres (leia baixo) adverte que a crise dos partidos não será resolvida por sua anulação ou substituição por pessoas-partido. Para Jorge Uequed, ex-deputado federal e porta-voz estadual da Rede Sustentabilidade RS, a alternativa é viável e considera a imposição dos partidos antidemocrática.
Quem defende as candidaturas avulsas alega que se trata de garantir o princípio da liberdade democrática, pois ninguém deveria ser obrigado a se filiar a um partido. No plano empírico, esse tipo de candidatura é comum _ nas democracias atuais, só 9% não permitem tais candidaturas para qualquer cargo eletivo. De olho nesses números e no alegado princípio da liberdade democrática, alguns parlamentares tomaram iniciativas para que o próprio Legislativo liberasse as candidaturas avulsas. Mas, dificilmente, o Congresso aprovará tal medida, afinal, ele é controlado pelos partidos. Se ocorrer alteração, ela virá do Judiciário.
Mudar tudo isso pra que, afinal? Pra manter a mesma lógica ou, o que é mais provável, piorar o processo político?
Devemos então acolher as candidaturas avulsas como algo positivo? Minha posição é de que não. Penso que as candidaturas avulsas não resolverão os problemas que queremos resolver e, na verdade, podem até piorar o quadro atual. Justifico minha contrariedade indicando algumas decorrências negativas de sua adoção.
Já temos um sistema político que favorece o personalismo, algo que, aliás, sempre foi objeto de críticas. Candidaturas avulsas agravarão essa situação, pois são candidaturas pessoais. Com elas, na nossa realidade, incentivaremos a emergência da "pessoa-partido" _ já temos, é claro, o "partido-pessoa".
No limite, se todos os parlamentares forem eleitos de maneira independente, como o presidente conseguirá formar coalizão de governo majoritária, coesa e estável? Com a atual quantidade de partidos, a governabilidade já é difícil; como será então a relação Executivo-Legislativo se o presidente tiver que lidar com 513 pessoas-partido? No caso mais realista de termos apenas alguns parlamentares eleitos de forma independente, que chances eles terão de fazer qualquer coisa isoladamente? Eles terão que se associar aos partidos no Legislativo _ no processo decisório, tudo é uma questão de coordenação da ação coletiva. E um presidente independente? Ele ainda terá que negociar com os partidos. Enfim, permanecerá o presidencialismo de coalizão [partidária].
A adoção das candidaturas avulsas forçará alterações drásticas no sistema eleitoral. Para melhor? Penso que não. Atualmente, elegemos deputados e vereadores pela fórmula proporcional. Como acomodar as candidaturas avulsas nesse mecanismo? Adotaremos o voto distrital? O distritão? O modelo misto? Além disso, como serão distribuídos os recursos do fundo partidário? E o tempo de propaganda na TV e no rádio? Como os eleitos independentes ocuparão os espaços institucionais no processo legislativo?
Mudar tudo isso pra que, afinal? Pra manter a mesma lógica ou, o que é mais provável, piorar o processo político? A eleição de independentes eliminará a corrupção? Aumentará a representatividade? Tornará o processo de governo mais estável, eficiente e responsável? Duvido.
A justa demanda pela resolução da crise política não pode nos levar a buscar [falsas] soluções moralistas em abstrato baseadas no formalismo jurídico. Temos que considerar a realidade política concreta do país e os efeitos dessa alteração no nosso ambiente institucional. A crise dos partidos não será resolvida por sua anulação ou substituição por pessoas-partido, mas por cuidadosos aperfeiçoamentos na legislação e, principalmente, pelo envolvimento das pessoas com os partidos.