*Professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
A data favorece tratar de tema tabu: a carência de um projeto para o Brasil. Muitos negligenciam sua necessidade. A simples expressão "projeto nacional" lembraria algo ultrapassado, como voltar atrás na roda da história. Alguns liberais o associam a governos autoritários, pois haver projeto implica que parte das decisões econômicas não caberia ao mercado, mas a opções políticas e de programação. Já parte da esquerda também historicamente entendeu que por trás do conceito de nação ocultava-se forma sutil de opressão: no mundo capitalista, camuflava o conflito de classes antagônicas e serviria como ideologia de dominação.
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Nenhuma destas duas visões se sustenta em análise mais acurada. Projeto não significa por si só autoritarismo nem extinção do mercado: ao contrário, pode tanto contemplar democracia e inclusão social quanto exigir qual a definição de qual arranjo institucional se quer entre Estado e mercado, já que ambos são instituições que coexistem no mundo moderno (e quem quis simplesmente abolir um deles se deu mal). Projeto significa a sociedade antever o que quer para seu futuro e legar às futuras gerações; subentende que a História não é fruto do acaso, nem do destino nem de contingências, mas é construída pelos próprios seres humanos. Trata-se de construção social que exige arranjo político, pois supõe ações conscientes para atingir determinados fins. É a realização maior do conceito de cidadania. Sua existência não supõe consenso absoluto nem apagar o dissenso, mas um acordo mínimo sobre o que se quer e para onde se vai. Projeto supõe consciência e pacto; seu oposto é alienação e naturalização da lei do mais forte. Torna-se mais ainda necessário no mundo “pós-globalização”, no qual várias economias líderes se fecham e nacionalismos xenófobos proliferam.
Faz diferença? Só um exemplo: em 1980, Brasil e China tinham a mesma participação nas exportações mundiais: 1,3%. Hoje, a China alcança 13,7% e o Brasil 1,2%. Este era responsável por 0,8% das exportações de manufaturados, enquanto a China, 0,3%. Hoje esta perfaz 18,8% e o Brasil 0,3%. Resultado: a renda per capita chinesa, medida em paridade de poder de compra, hoje supera a do Brasil, quando era 15 vezes menor em 1980.
Quem acredita que tudo isso aconteceu ao acaso, aqui e lá, deve realmente defender que projeto nacional é uma bobagem ultrapassada.