Qual pai ou mãe não se sentiu incomodado com o recrudescimento, nos últimos dias, de registros de casos de pedofilia e abusos envolvendo crianças e adolescentes? Nos textos da seção Duas Visões, promotores habituados a lidar no cotidiano com esse incômodo tema procuram tranquilizar pais e familiares. Um dos artigos, o da promotora de Justiça Denise Casanova Villela (leia abaixo), mostra o que pode ser feito de forma preventiva. O outro, do promotor de Justiça Júlio Alfredo de Almeida, indica como agir quando os cuidados falham para preservar as pequenas vítimas e garantir a punição dos responsáveis pelo crime.
Cerca de 70% das vítimas de violência sexual no país são crianças e adolescentes de até 17 anos de idade, afirma pesquisa divulgada em 2014 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Considerando esse percentual elevado, é importante entender o conceito desse tipo de violência sexual. Ao referir-se à violência sexual em que a vítima é criança ou adolescente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) adota, a partir de 1999, o termo abuso sexual infantil: "Abuso sexual infantil é o envolvimento de uma criança em atividade sexual que ele ou ela não compreende completamente, é incapaz de consentir ou para o qual, em função de seu desenvolvimento, a criança não está preparada e não pode consentir, ou que viole as leis ou tabus da sociedade".
A relação familiar é de enorme importância para proteção de crianças e adolescentes
É uma definição ampla, que inclui diversas modalidades sexuais. Entre elas, está a exposição de uma criança a conteúdo sexual além do que ela é capaz de processar de acordo com sua faixa de desenvolvimento. Outro conceito que deve ser esclarecido é o de pedofilia, que diz respeito à excitação ou satisfação sexual de um adulto a partir de uma criança ou de sua imagem. É mais uma das formas de violência sexual contra criança.
Falar com crianças e adolescentes sobre essa temática não é algo fácil. A questão é permeada pela negação e pela falta de habilidade da maioria dos adultos na abordagem das questões relacionadas à sexualidade. A relação familiar é de enorme importância para proteção de crianças e adolescentes pois, na medida em que se sentem seguras e acolhidas pelos genitores ou responsáveis legais, não irão se expor às situações de vulnerabilidade _ e mais facilmente revelarão eventual violência sofrida.
Nos dias hoje, com a evolução das redes sociais, a proteção à criança e ao adolescente sem a presença constante dos pais, se torna cada vez mais difícil. Muitas vezes os jovens acabam sofrendo cyberbullying, ou _ ainda pior _ sendo vítimas de vazamentos de suas conversas ou imagens, que podem ser usadas como forma de extorsão, tanto de valores quanto de favores sexuais. O que gera consequências, inclusive suicídios.
Investir em um relacionamento familiar permeado pelo respeito, carinho e o saber ouvir, é essencial. Na maioria dos casos de abusos sexuais contra crianças e adolescentes, os agressores são conhecidos da vítima ou fazem parte da família. Isso não significa que o abusador não possa ser um desconhecido. O melhor caminho é sempre esclarecer a crianças e adolescentes sobre o que é e o que não é apropriado para eles, como: alertá-los que o corpo é "só deles" e que ninguém deve tocá-los nas zonas íntimas; que pessoas que pedem segredos, muitas vezes, não são confiáveis, e que, se alguém fizer um pedido assim, deve ser contado a um adulto de confiança como, por exemplo, pais, professores ou médicos.
Deve ser esclarecido, ainda, para a criança ou adolescente que, se porventura vier a sofrer alguma espécie de violência sexual, não deve sentir vergonha, culpa ou medo, mas revelar, imediatamente, a situação.
Ao receber uma informação com esse conteúdo, os adultos deverão estar atentos e receptivos aos sentimentos e comportamentos da criança ou do adolescente, de forma a poder auxiliá-lo com maior eficácia. É importante também que a pessoa que escute não o sujeite a interrogatórios, não o acuse, e nem demonstre perturbação à frente dele, mas sim, deixe claro que há interesse no seu relato, pois quem está errado é o adulto agressor, que já possui sua personalidade formada. O responsável deverá, em seguida, procurar auxílio médico, psíquico e legal para a vítima.