Qual pai ou mãe não se sentiu incomodado com o recrudescimento, nos últimos dias, de registros de casos de pedofilia e abusos envolvendo crianças e adolescentes? Nos textos da seção Duas Visões, promotores habituados a lidar no cotidiano com esse incômodo tema procuram tranquilizar pais e familiares. Um dos artigos, o do promotor de Justiça Júlio Alfredo de Almeida (leia abaixo), indica como agir quando os cuidados falham para preservar as pequenas vítimas e garantir a punição dos responsáveis pelo crime. O outro, o da promotora de Justiça Denise Casanova Villela, mostra o que pode ser feito de forma preventiva.
Todos os anos, entre 250 e 300 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes são denunciados pela 11ª Promotoria da Infância e Juventude de Porto Alegre _ Promotoria de Proteção Criminal. Uma outra parte significativa dos inquéritos policiais sobre o mesmo tema tem como destino o arquivamento, seja porque as pequenas vítimas não têm condições de descrever a violência, porque a família se omite em narrar o fato ou ainda porque envolvem alienação parental _ quando um cônjuge/parente acusa o outro de abuso sexual apenas para prejudicá-lo.
Enganam-se os que pensam que esse tipo de violência está restrito às classes sociais mais vulneráveis, pois a questão do abuso sexual está presente em casos envolvendo pessoas de todos os graus de instrução e classes sociais. No quadro de crimes sexuais contra crianças ou adolescentes, os de maior incidência são os que envolvem familiares ou pessoas próximas da família _ e disso decorre a enorme dificuldade de coleta de provas. Na área criminal, o combate ao abuso sexual infantil só é possível com a colaboração das famílias ou de quem percebeu a violência. Além do atendimento à vítima, é necessário que essas pessoas preservem provas e colaborem com as autoridades.
Se o crime praticado foi o de abuso físico da criança ou do adolescente, em regra previsto pelos artigos 213 a 218-A, do Código Penal _ estupro mediante violência/ameaça, de vulnerável, satisfação da lascívia, exploração sexual _, a polícia deve ser chamada imediatamente para, se for o caso, efetuar a prisão em flagrante ou levar ao conhecimento da Delegacia que atenda a vítimas crianças/adolescentes, não se descurando dos eventuais cuidados médicos necessários.
Enganam-se os que pensam que esse tipo de violência está restrito às classes sociais mais vulneráveis
Se o fato ocorrer em Porto Alegre ou na grande Porto Alegre, a criança deve ser levada rapidamente ao Hospital Presidente Vargas, onde funciona o centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (CRAI). Lá, ela receberá atendimento completo _ psicossocial, de saúde e pericial. É importante lembrar que a vítima não deve ser banhada antes do atendimento para que seja possível realizar a coleta de material genético _ importantíssimo na apuração da autoria _ e para não mascarar as consequências da violência, permitindo a tomada das providências de saúde, como suturas, curativos, antirretrovirais etc.
Roupas e objetos utilizados devem ser preservados e entregues à polícia com o mesmo objetivo. Eventuais imagens ou vídeos devem ser preservados e informados às autoridades. A criança vítima não deve ser questionada sobre a violência por pessoas que não tenham formação para tanto, sob pena de revitimizá-la a cada novo questionamento e comprometer a qualidade da prova testemunhal.
Se o delito sexual se der através do meio virtual (internet e aplicativos de celular), em regra previsto pelos artigos 240 a 241-E, da ECA, a primeira providência é não apagar os textos, fotografias e filmes, e em seguida levar o aparelho (telefone, tablet, computador) até a Delegacia _ da criança, se houver _, disponibilizando as senhas de acesso e autorizando a manipulação do equipamento em busca de provas. Sempre que o assédio se der por redes sociais, é importante realizar imediatamente um "print" da tela, sem alertar o agressor que teve conhecimento do fato.
Nunca se deve descurar que a vítima do abuso precisará do apoio familiar, do atendimento psíquico para superar o trauma e _ o mais importante _ a certeza de que não é ela a culpada pelo crime que sofreu.