*Professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
Defendeu Maquiavel que a lógica da política não se submetia a princípios como coerência, abnegação e temperança. Estes foram associados a virtudes cristãs medievais, incompatíveis com a Modernidade. Mas uma política sem valores sempre gerou polêmica. Por isso, deve-se destacar o secretário municipal de Porto Alegre que pediu demissão do cargo alegando coerência, pois, por ser liberal, não poderia pactuar com aumento de imposto. De fato, o prefeito, desde a candidatura, vendeu a imagem de yuppie modernoso, avesso a impostos e pró-mercado. Mas a regra deve valer para o resto do mundo, já que não se aplica a estas margens plácidas do Guaíba. Lá em Brasília, ele é contra imposto.
A atitude de Temer não é diferente, pois as medidas ora propostas se chocam com o discurso que o elegeu, pois, como vice de Dilma, assinou o mesmo programa. Mas este já fora rasgado por ela própria ao indicar Joaquim Levy para ministro. A austeridade era o discurso de Aécio – a qual, pelo noticiado agora, também valeria para os outros, já que para ele e sua irmã a regra seria outra.
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A violação de regras elementares de coerência, todavia, não é exclusiva de políticos. Maquiavel, se aqui reencarnasse, atentaria para setores que associam o discurso teórico liberal com a manutenção de subsídios e apadrinhamento público. O chamado "Sistema S" repousa em um imposto corporativista, o mesmo criticado quando é para os sindicatos de trabalhadores – para estes, deve valer o fim do "corporativismo varguista". Como a austeridade boa é para os outros, rejeita-se o imposto sobre dividendos, alegando-se que é bitributação – ignorância crassa, pois não incide sobre lucros de empresas que produzem, mas sobre pessoas físicas, usual em todos os países, com exceção de Brasil e Estônia.
Mais grave é a crítica à substituição da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) pela TJP para os empréstimos do BNDES, já que aquela representa um polpudo subsídio arcado pelos cofres públicos. "Estado mínimo com bolsa-empresário": eis a fórmula.
Paradoxal é que apontar tais incoerências muitas vezes é considerado retórica esquerdista. Tempos complicados, em que valores medievais soam como rebeldia. Não é à toa que o Papa escolheu o nome de Francisco e, em nome da coerência, tornou-se o mais respeitado estadista do planeta.