*Economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Nesta sexta-feira (25), logo ao despertar, ouvi Poema, do Cazuza, interpretada pela voz potente e brilhante de Ney Matogrosso. É uma música que ele compôs para sua avó materna, na década de 1970, e fala sobre evolução e amadurecimento, mas sem deixar de lado o âmago daquilo que o formou. A música é de uma lindeza comovente!
Lá pelas tantas diz "hoje eu acordei com medo, mas não chorei nem reclamei abrigo; do escuro, eu via um infinito sem presente, passado ou futuro". E, aqui, lembrei-me não apenas de um dia ou outro de humor ruim ou com más notícias, mas de um sentimento coletivo que parece aborrecer a todos nós brasileiros ultimamente. Sim, claro que tem relação direta com a crise econômica. Mas, é mais do que isso. Está relacionado com a sensação de que nós, como sociedade, estamos perdidos e desamparados.
De um lado, as reformas necessárias e inadiáveis jogam sua conta de curto prazo direta e exclusivamente no colo dos mais pobres. Afinal, parafraseando Vanderlei Luxemburgo, "o torcedor tem que entender..." que as reformas são, de fato, necessárias para sanar alguns gargalos do país, como a crise fiscal. Por outro lado, ações de efeito imediato para melhorar a vida das pessoas são extremamente tímidas e erráticas. Veja, por exemplo, a discussão descabida sobre manter ou não o Bolsa Família, que é um dos programas de transferência de renda mais bem-sucedidos do mundo.
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Tudo no Brasil tem girado em torno do ajuste fiscal para retomar o crescimento. Ele é a grande engrenagem que faz tudo mais se mover. Mas, não é verdade que o efeito é igual para todos. E o que me deixa particularmente triste é que boa parte das reformas está sendo tocada sem a menor discussão sobre este aspecto. E são justamente as reformas a grande ferramenta para que voltemos a crescer de maneira mais equilibrada – e não apenas crescer tresloucadamente como no Milagre Econômico (1968-1973), que aumentou a desigualdade social e concentrou renda.
E, para temperar tudo isso, temos acordos de todo tipo acontecendo nos bastidores e no palco principal da política nacional para constituir "vitórias". Precisamos é acreditar nos versos seguintes de Cazuza, que diz "senti um abraço forte, já não era medo; era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)". Além de melhor política, precisamos de um gigantesco abraço!