Felizmente o jornal é diário, pois é provável que o bafafá sobre o aplicativo Sarahah não dure muito tempo. O app funciona assim: o camarada se inscreve e qualquer um pode mandar anonimamente uma "mensagem construtiva". Mas mensagens construtivas, claro, é o que menos rola. Serve mesmo é para receber cantadas e saciar a curiosidade de saber o que os outros pensam a seu respeito. O que me surpreendeu não foi as pessoas se submeterem a esse tipo de julgamento, mas ao risco de encontrar um espírito de porco vingativo pela frente.
Imagine aquele sujeito que puxou o seu tapete no trabalho aderindo ao Sarahah. Quanto mais suína for a sua alma, mais provável que você, em vez de uma crítica construtiva, envie ao cidadão algo como: "Olha só, sugiro que você consulte um especialista em mau hálito". Depois, é só se divertir por dias assistindo ao colega calado, ou fazendo bafinho na palma da mão e cheirando. Especialmente se ele não tiver mau hálito algum.
Espírito de porco é bucha, mas pode ser divertido. Outro dia, ouvi o causo de um adolescente que tomava conta dos primos pequenos e, por uns bons anos, fingiu ser um lobisomem ocultando a sua maldição. Em noites de lua cheia, dizia aos primos que precisava se retirar e se trancava no quarto. De madrugada, gania e raspava a porta, apavorando os pirralhos no cômodo ao lado. Certa vez, os primos olharam para o telhado e depararam com o babá de cócoras e cabelos soltos, uivando. Naquela noite, ele fez o diabo. Desligou os disjuntores de luz e correu em volta da casa latindo e salivando. A piada só teve fim quando o lobisomem entrou pela janela e os guris começaram a rezar. Então, ele caiu na gargalhada.
Mas o mundo dá voltas. Não muito depois, esse mesmo adolescente quebrou as pernas em um acidente de moto. Aí, os pestinhas tiveram meses de desforra. Nas noites de lua cheia, todinhas elas, empurravam a cadeira de rodas para o quintal e deixavam o primo de castigo no sereno.
– Vira lobisomem, vira! – gritavam lá de dentro da casa.
A questão é que toda grande sacanagem dá origem a uma vendeta de mesmo nível à espera de oportunidade. Não sei vocês, mas é assim que me sinto assistindo ao noticiário de Brasília. Muitos se perguntam por que os brasileiros insatisfeitos não estão protestando. Meu palpite é que o prato de vingança está esfriando na janela. Será saboreado em 2018, quando boa parte desses senhores de terno será abandonada ao sereno.
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