* Doutorando em História (PUCRS)
A recente rejeição do parecer favorável à denúncia contra Michel Temer, apresentado pelo relator deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, expõe a atualidade de uma interpretação clássica da nação. Em Raízes do Brasil, publicada em 1936, Sérgio Buarque de Holanda analisa o processo de transição sociopolítica observado entre a Abolição e os anos 1930. Segundo ele, havia um descompasso entre a vida social e a vida política do país.
Uma indistinção entre as formas familiares de integração forjadas no meio rural, herança de nossa colonização, e as estruturas corporativas teria configurado aqui uma sociedade patriarcal e personalista, cuja síntese seria o homem cordial. Traço definitivo do "caráter brasileiro", a cordialidade se expressaria como "fundo emotivo" criado na "esfera do íntimo, do familiar, do privado" e nascido do coração. Formados nessa cultura, nossos dirigentes seriam incapazes de distinguir o domínio público do privado, afiançando nossa incompatibilidade com ideais democráticos e justificando um regime autoritário e discricionário dirigido por um "caudilho" providencialista, encarnado na figura de Getúlio Vargas.
Mais de 80 anos separam Raízes do Brasil do ocorrido na Câmara. Por 40 votos a 25, a CCJ rejeitou o parecer do relator. Orientada pessoalmente pelo presidente, a base aliada do governo substituiu 13 titulares favoráveis à continuidade das investigações. A troca de membros é permitida pelo regimento, contudo o personalismo subjugou o interesse público. Estão expostas, portanto, aquelas raízes interpretativas do país.
O recurso de Sérgio Buarque de recorrer ao mito de Antígona, escrito por Sófocles no século 5 a.C., serve de ilustração loquaz do ocorrido na Câmara. Antígona é condenada à morte por ter sepultado seu irmão Polinice contra as ordens do Estado, colocando seus laços afetivos acima da vontade geral. Creonte, então tirano de Tebas, sentencia: "Quem preza a um amigo mais do que à própria pátria, esse merece desprezo!".