* Médico
Estamos a vivenciando, em um momento único de nossa História, uma quebra de paradigmas, aos quais nossos políticos estavam acostumados e que os praticavam com total desenvoltura. Herdeira da tradição portuguesa, a política buscava o poder não para servir mas se servir dele. De repente, é surpreendida em suas práticas, por uma nova cultura: os brasileiros – calcados nas novas metodologias digitais, em novos instrumentos de detecção do fluxo do dinheiro e no aprimoramento do registro dos diálogos telefônicos – resolveram reagir, através de instituições judiciais avessas ao comodismo e plenas de energias próprias de jovens magistrados, para dar um basta à espoliação a que são submetidos desde sempre. Mas as culturas, como nos ensina a História, não se modificam em breve espaço de tempo. Exigem gerações de uma luta permanente, até que o normal se estabeleça em novas bases. É uma cruzada a ser perseguida sem esmorecimento. Diante de qualquer vacilação, os métodos antigos retornam com extrema rapidez.
Calcado no direito romano, o poder político, no Brasil, é exercido dentro da lógica ibérica: a ele cabe conduzir, comandar, supervisionar os negócios inicialmente como seus e – só depois – como públicos. A sociedade é explorada, manipulada ou, até premiada – se bem-comportada – pelo aparelhamento do Estado, que dele depende para quase tudo...nascendo aí o patrimonialismo servil.
Conscientes deste poder – o de dar, conceder, licenciar, facilitar – os que o exercem procuram se apropriar de um naco da renda a ser obtida. Nas épocas colonial e imperial, era a Coroa e a nobreza que se beneficiavam, retornando parte dos recursos arrecadados para a sociedade, como benesses advindas da bondade dos governantes. Agora, prevalece o interesse individual do político, já que as leis estabeleceram, com o decorrer do tempo, regras que disciplinam a aplicação da verba.
Tal conduta foi surpreendida pela clivagem cultural estabelecida nos últimos anos que diz aos interessados: "alto lá, aos funcionários do povo não se concedeu o direito a tal apropriação ". Mas, dirão alguns, se tais medidas estão sendo tomadas é porque existem leis construídas ao longo do tempo. Ocorre que, no Brasil, ou a lei pega ou não pega, já que pode ser engavetada, não regulamentada ou sistematizada, esquecida ou distorcida, tornando-se inaplicável. De repente, numa paráfrase da Esfinge de Tebas, as leis passam a dizer aos políticos "obedece-me ou serás devorado". Como faziam pouco caso das regras que limitavam seu poder, estão sendo devorados um a um.