* Historiador
"Já o disse a el-rei, nosso senhor, que este mundo é um covil de ladrões, porque tudo vive nele de rapinas – até nas árvores há ladrões."
(Pe. Manoel da Costa - Arte de Furtar, cap. III, 1652)
Acertada a autenticidade entre os filólogos e críticos, o ensaio Arte de Furtar, do jesuíta Manoel da Costa (prosa que por muito tempo foi confundida com a do Pe. Vieira), é uma espécie de manual barroco farsesco escrito para alertar o príncipe, no caso D. João IV, rei português que liderara a Restauração (episódio que tornou o reino novamente independente da Espanha, em 1640), para que não seguisse as desditas da corte de Madri, sitiada de gatunos por todos os lados.
Era um alerta ao soberano, a quem o autor prestava o serviço de um fiel súdito. Pe. Costa foi um Maquiavel lusitano abrindo os olhos do príncipe para a grua de larápios que poderia espoliá-lo.
Para tanto, para melhor explicitar os perigos, ele se lança numa detalhada classificação dos tipos de ladrões como se fora um exercício de paleologia. Atrevendo-se a imitar Pe. Vieira no estilo, Pe. Costa parte do mitológico Mercúrio, o deus Hermes dos gregos, que tendo na sua constituição asas nas sandálias e no capacete e uma tocha nas mãos teria sido o patrono dos ladrões, pela rapidez e destreza com que operava.
Todas as manhas deles são então reveladas. Associando-os aos felinos com suas garras predadoras, apresenta-os com uma enorme diversidade: dos que furtam com unhas pacíficas, com unhas temidas, com unhas disfarçadas, maliciosas, teimosas, sábias, ignorantes, singelas, e assim por diante. O total alcança mais ou menos quase 70 formas de "apropriação indevida". O reino se vê assediado por uma gatunagem gorda e quadrilheira que nunca se farta.
Pe. Costa não se rende, recomendando a el-rei que recorra às tesouras para lhe aparar as unhas da cobiça. De que modo? Primeiro pela tesoura da vigilância. Olhos atentos para evitar o saque do tesouro real. Ainda que os procuradores e governadores lamentem o número incontável dos delitos contra o erário e de "haver tantos ladrões que não os podem extinguir", sugere a el-rei mobilizar a sociedade. Que rufem os tambores e que soem em tom alto o pífaro para expor a roubalheira, porque se trata, sim, de uma guerra e que para melhor combatê-la aponta o caminho da convocação dos infratores despachando-os para que sirvam nas fronteiras.
Se isto não resultar em algo proveitoso, resta a tesoura do desterro, que deportassem os ávidos "para o Brasil", onde com certeza "cairiam nas mãos dos parlamentares", e por lá se devorassem uns aos outros (capítulo LXIX).
Pe. Costa rejeitava a forca porque não haveria árvores suficientes para tantos pescoços, "para tão grande pendura". E, por fim, que fossem os corruptos para o reino do diabo, como fez Dante quando os enfiou no oitavo círculo do inferno num lago de piche fervente, arpoados por esquadrão de demônios se ousassem fugir da Fossa Maldita (Divina Comédia, Canto 21).