Imagine um mundo onde todos dizem a verdade e mentir seja considerado um ato imoral. Agora, imagine um mundo em que a mentira seja a regra – e não a exceção. Onde a verdade, em vez de virtude, seja competência, passível – ou não – de ser desenvolvida. Embora trágica, a descrição tem se tornado mais real para nós, brasileiros.
Recentemente, assisti ao filme O Primeiro Mentiroso, comédia que aborda a mentira a partir da amoralidade. Dizer a verdade é a única possibilidade, sem filtro, desprovida de moral. Mentir não habita nem mesmo o imaginário das pessoas. Até que um indivíduo, frente a uma situação difícil, decide mentir pela primeira vez.
A vantagem obtida na primeira mentira leva a outras para justificá-la. Pronto! Está criado o círculo vicioso. Desencadeado, não há como pausar o processo. Outras precisam ser produzidas para explicar as anteriores. O processo usa modelos avançados de gestão da produção. Surgem just in time (na hora certa) e pressupõem melhoria contínua – uma mentira precisa superar a anterior em criatividade e inovação.
Vivemos no mundo real, mas a ficção aproxima-se assustadoramente. Somos parte de uma sociedade que deveria reger-se pelo senso da moralidade. Virtudes como verdade, honestidade e transparência, alicerces de nossas escolhas e relações, foram promovidas à categoria de diferenciais competitivos. O que deveria ser item original de fábrica é opcional altamente desejável, que pode ser negociado ou dispensado na hora da compra.
O que vem primeiro – a verdade ou a mentira? A criticidade aumenta quando se trata de nossos interlocutores, os que estão no topo da Pirâmide das Necessidades Humanas desenvolvida pelo psicólogo Abraham Maslow. Segundo ele, atendidas as necessidades fisiológicas – de segurança, social e estima –, o último patamar corresponde à necessidade de autorrealização, em que o indivíduo torna-se aquilo que pode ser, verdadeiro e coerente com a sua própria natureza moral.
Mais uma vez, a vida supera a arte, onde os protagonistas exibem requintes de amoralidade.