Um dos aspectos mais inusitados do depoimento de Emílio Odebrecht na Lava-Jato foi confessar que propina é tradição na empresa: seu avô Norberto já subornava autoridades e firmou-se a tradição de pai para filho. Seria fato isolado se a Folha de S. Paulo, na mesma semana, não trouxesse relato de executivos do setor da carne no mesmo teor: a fraude é "prática antiga". São duas amostras do que historicamente é o capitalismo brasileiro através de suas empresas líderes e "vencedoras", não satisfeitas com os subsídios oficiais e que ainda precisam burlar leis para assegurar lucros maiores.
Surpreende mais ainda é que os dirigentes de tais empresas sempre faziam profissão de fé liberal, cantavam os louros do mercado e lamentavam o tamanho do Estado. O que faz sentido por dois motivos. Primeiro, pagavam propina a políticos, CCs e fiscais corruptos, o que representa custo. Segundo: os servidores públicos que não se deixam corromper causam prejuízo ainda maior, pois impedem falcatruas e as denunciam, como ora ocorreu. Nos dois casos, o Estado é um problema.
Por isso a tentativa de desmoralizar a Polícia Federal, ao interpretar os fatos como "isolados" (?) e os seus exageros como pirotecnia. E assim sucessivamente: a Justiça do Trabalho, como parcial por denunciar a terceirização sem limites e práticas de trabalho escravo, quando a própria Odebrecht teve que firmar acordo no MPT para encerrar ação por utilizá-lo em Angola. As Forças Armadas, que controlam as fronteiras, atrapalhando os "negócios", e portadora de valores ultrapassados como o nacionalismo, quando é muito mais barato importar tecnologia encaixotada do que investir em C & T. E as universidades, tomadas por "acadêmicos", termo nobre, mas usado pejorativamente para designar pessoas desvinculadas da realidade, sonhadores, esquerdistas... O mundo real é o das propinas, da ausência de valores, do ganho fácil. As instituições públicas só atrapalham e – como as fundações gaúchas – devem ser sumariamente extintas sem muita explicação. O país não é nação, mas um espaço geográfico onde se realizam negócios.
Max Weber, autor de uma das defesas mais entusiasmadas da economia de mercado, sentenciou que esta para funcionar a contento precisava acoplar-se a um conjunto de valores: sem eles, o Estado seria próximo à barbárie. Muitos o criticaram por isso, mas o que se vê no dia a dia só lhe dá razão.