Há quase duas décadas, a adolescente cortou os questionamentos quando descobriu que a conversa era puxada por um repórter. "Tu veio para perguntar, e eu vim para fazer programa. Tenho mais o que fazer do que responder a perguntas", afirmou. Antes de abandonar o interlocutor, forneceu algumas pistas sobre sua vida: tinha 15 anos, precisava de dinheiro para comprar remédios e pagar as contas e cobrava R$ 10 em troca de sexo.
Era a terceira menina que eu abordava no centro de Santa Cruz do Sul, nas proximidades da bela e antiga estação férrea, para reportagens publicadas em 1999 no jornal local, a Gazeta do Sul. As outras duas adolescentes haviam sido mais falantes. Uma tinha 14 anos, usava drogas e decidiu se prostituir porque o salário recebido para cuidar de duas crianças não permitia bancar o vício. A garota havia deixado a escola e a casa da mãe.
A entrevistada seguinte, de 16 anos, disse ter sido apresentada à noite por uma prima um ano mais velha, com quem morava. A relação com a mãe era difícil por conta de desentendimentos com o padrasto. "Ele já me ameaçou. Já dormi com faca embaixo do travesseiro", relatou. Sobre os clientes, homens mais velhos, reclamou da resistência à camisinha e contou torcer para que os encontros fossem rápidos.
Para um polo econômico e turístico, os relatos expuseram uma face vergonhosa, mas o assunto ganhou a dimensão devida e mobilizou a rede de proteção. Logo, uma audiência pública foi convocada para debater formas de combater a exploração sexual e dar assistência às adolescentes.
Vigilante ao tema, uma jovem deputada estadual em primeiro mandato deixou Porto Alegre para participar da reunião. "É preciso dar atenção digna e verdadeira para essas meninas, estabelecendo vínculos de segurança e afeto", disse à época Maria do Rosário, que advogou ainda a ação da polícia para punir os abusadores e a cassação de alvarás de estabelecimentos flagrados explorando sexualmente menores.
Passados tantos anos, nos quais ela nunca abandonou a defesa das crianças e adolescentes, é triste ver Rosário ter de enfrentar ataques contra a própria filha, alvo da divulgação de fotos e de comentários desumanos nas redes sociais. A exposição de imagens de adolescentes na internet, sem qualquer preocupação com os efeitos sobre a vítima, é ainda mais sórdida quando embalada por objetivos partidários ou ideológicos. Se pouco sabemos a respeito dos perpetradores dessa covardia, muito ela diz sobre o ambiente político brasileiro. Pela incansável atenção às nossas meninas, Rosário merece respeito.