– Olha quantas gente escura temos aqui! – disse Dean Obeidallah, sob aplausos, depois de subir ao palco do Comic Strip Live, um clube de comédia de Manhattan, em Nova York, em 15 de janeiro.
O artista muçulmano de stand-up, um dos vários do programa daquela noite, parecia feliz e profundamente satisfeito ao ver o público que lotou os 200 lugares da casa:
– Esta sala é o pior pesadelo do Donald Trump.
Obeidallah, que é meio palestino, meio italiano, 47 anos, criou o espetáculo Big Brown Comedy Hour, em 2009, como uma forma de garantir o espaço no palco para comediantes com origens no Oriente Médio e no Sudeste Asiático. Durante essa apresentação, as piadas assumiram um tom diferente, mais urgente do que o habitual. Com o presidente Trump ameaçando impor novas políticas que afetam os imigrantes muçulmanos nos EUA, Obeidallah disse à multidão que era hora da "comédia de resistência".
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O show, anunciado com o slogan "A última risada antes que Trump nos deporte", integra um número cada vez maior de protestos políticos feitos por artistas contra o presidente – que, em dezembro de 2015, após um ataque terrorista matar 14 pessoas em San Bernardino, Califórnia, propôs proibir islâmicos de entrar nos EUA.
– Temos que manter o pique. Vamos lutar. Não podemos desistir nunca, certo? – diz Obeidallah.
O show sempre esteve vinculado à solidariedade. O comediante disse que o criou para que aqueles que enfrentam discriminação em um mundo pós-11 de Setembro pudessem encontrar consolo e alegria.
– E também com um toque político. Sabe como é, alguma coisa divertida, uma tiração de sarro de qualquer tipo de fanatismo. Meu objetivo maior, francamente, é criar alianças entre as comunidades pardas – contou em entrevista.
O show atraiu alguns comediantes de renome, como Aasif Mandvi, mais conhecido por seu trabalho como correspondente no The Daily Show, e Kumail Nanjiani, astro do seriado Silicon Valley, da HBO. De todos os artistas, Maysoon Zayid, a palestino-americana que Obeidallah chama de sua irmã comediante, foi a que falou mais claramente sobre a ansiedade que alguns muçulmanos enfrentam na era Trump. Durante sua apresentação, ela disse estar sofrendo de "Trump-pressão", e, como resultado, estava perdendo as sobrancelhas.
– Eu sou o pior pesadelo do Donald Trump. Muçulmana, sangro todos os meses e sou deficiente: tenho paralisia cerebral, por isso tremo o tempo todo – disse ela, referindo-se a Trump zombando de Megyn Kelly, então uma apresentadora da Fox News, e de Serge F. Kovaleski, repórter do The New York Times que tem artrogripose, que limita o funcionamento das articulações.
Maysoon já fez uma palestra no TED Talk falando sobre como é viver com paralisia cerebral, e seu stand-up foi quase que inteiramente composto de críticas a Trump, usando exageros e hipérboles para responder às expectativas da plateia. Ela diz que o novo presidente a preocupa muito mais do que os antecessores dos quais não gostava.
– Com George W. Bush, não tinha medo de ser silenciada; com Trump, acho que poderia ser arrastada do palco, e muitas pessoas iriam vibrar. Nunca pensei que algo assim pudesse acontecer nos EUA.
Feraz Shere, 33 anos, que é especialista em imitações, fez caricaturas precisas de Obama – que ele disse estar, depois de deixar o governo, mais preocupado com pastas de dentes do que com questões nucleares – e de Trump, a quem retratou como um comediante de stand-up.
– Eu conto as melhores piadas, ok? – Shere brincou, gesticulando freneticamente para o público.
Em uma entrevista, disse que não acha que fale de Trump para ridicularizá-lo. Para ele, piadas são apenas isso: piadas.
– Não vejo o lado político das coisas apenas pelo ponto de vista muçulmano. Cresci em uma família pouco praticante – afirma Shere.
Alguns integrantes da plateia expressaram vários níveis de mal-estar, ansiedade e esperança. Mahnoor Waseem, 21 anos, estudante de Ciência Política na Universidade Estadual de Montclair State, em Nova Jersey, estava ali com a irmã de 19 anos. Ela nasceu no Paquistão e chegou aos EUA alguns meses após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Disse que as eleições de 2016 foram "emocionalmente difíceis" e contou que reagiu ao show de comédia com um "riso nervoso":
– Porque espero que, independentemente da piada, esses fatos não se tornem verdade. É meio que fechar os olhos e se esconder.
Mas disse não ter ódio visceral de Trump e acha que precisa ser leal ao país e ao presidente, "independentemente de quem ele seja".
Depois da última apresentação, Obeidallah disse que outro The Big Brown Comedy Hour já estava programado para março, por causa da alta demanda.
– Se deixarem – brincou.