Nesta semana, ouvi de um ex-administrador público: "Se eu tivesse andado mais a pé pelas ruas da cidade, teria me preocupado mais com as calçadas". Vindo de alguém que fez muito pela sua cidade, esteve bem próximo das pessoas, ouviu suas necessidades e tentou resolvê-las, na medida do possível, a afirmação me surpreendeu. Lembrei, imediatamente, da canção Bailes da Vida, de Milton Nascimento (1981), que diz que todo artista tem de ir aonde o povo está.
Na última terça-feira, o diretor de documentários e criador da revista Piauí João Moreira Salles, em palestra no Em Pauta ZH, fez uma recomendação interessante aos jornalistas, estudantes e professores de comunicação presentes. Ele alertou para a necessidade de ficarem mais próximos do povo e trabalharem com uma diversidade maior de pessoas nas redações. O ofício jornalístico pede que se conheça a sociedade e seus meandros e se tenha vários pontos de vista para escrever uma reportagem que realmente mostre os fatos.
Na mesma semana, em Davos, na Suíça, o grande encontro anual da elite do mundo pronunciou, talvez pela primeira vez, a palavra "povo", sinalizando que o capitalismo precisa encontrar padrões medianos de vida para as populações, colocando-as no centro das estratégias nacionais de desenvolvimento e integração econômica internacional, equilibrando melhor a renda e difundindo oportunidades, segurança e qualidade de vida. Isso aconteceu justamente quando foi divulgado que as oito pessoas mais ricas do mundo têm a mesma quantidade de dinheiro que 3,6 bilhões. No Brasil, os seis homens mais ricos concentram a mesma riqueza que mais de 100 milhões de brasileiros. Ou seja, uma enorme concentração de riqueza!
Andar pelas ruas, sem filtro, para ver de perto as dificuldades e necessidades dos cidadãos é sair do cômodo papel de administrador que discursa sem conhecer o que acontece lá fora! É na rua e não em gabinetes que a vida pulsa. Conversar com pessoas reais, saber o que pensam, como é o seu cotidiano e como sobrevivem é encarar a realidade. Só assim é possível planejar e produzir o que é necessário e não o que apenas vai servir para o consumo imediato e fugaz. Só assim é possível criar e aprovar leis que sejam úteis para a maioria e não simplesmente para engordar currículos para a próxima eleição. Ou, em vez de ter que vender um produto, ser comprado, porque algo foi criado depois de ouvir as necessidades do consumidor. É o que os "gringos" chamam de "user experience", a experiência do usuário: como as pessoas se relacionam com bens e serviços, o que vale para empresários, executivos, funcionários de empresas públicas e privadas, governantes e legisladores.
Ainda nesta semana, circulou pelas redes sociais trecho de uma entrevista do ator Pedro Cardoso, que há um ano mora em Portugal. "A razão da nossa pobreza é não termos serviços públicos de qualidade. Por isso, precisamos acumular, desesperadamente, tanto dinheiro, pra nos livrarmos de escola, transporte, segurança, saúde públicos...Tendo um bom trabalho e ganhando bem, não precisa querer acumular tanto dinheiro, pois as coisas funcionam", disse ele.
Aqui, além de não termos o que em Portugal funciona bem, andar pela rua é risco, tal o nível de insegurança que nos cerca. É preciso, sim, olhar mais para as pessoas e suas necessidades reais e não para o que achamos que pode ser. Mas esse já é outro papo!