Todo mundo faz e eu também. Resisti por algum tempo, atento às placas de proibido estacionar. Depois entendi: aos sábados, pela manhã, quando, às margens da avenida, se instala a feira livre que frequento, o costume derrogou a proibição de estacionamento. Passei a estacionar também.
Diante das listas de políticos envolvidos nessa gigantesca rede de corrupção, fico pensando: teria sido esse mesmo raciocínio que os levou à prática de atos tão gritantemente fora da lei? Parece que sim. Primeiro, houve a tentativa da anistia do caixa 2, uma prática que, à semelhança de minha infraçãozinha semanal, todo mundo cometia.
Mas o caixa 2, sabe-se agora, é só a ponta desse gigantesco iceberg da corrupção. Por de trás dele, aparecem milionárias propinas de favorecimentos pessoais, lavagens de dinheiro, contas secretas em paraísos fiscais, espúrias medidas provisórias beneficiando setores mancomunados com o poder, e por aí vai... Nem Hannah Arendt, com sua tese da banalidade do mal, encontraria argumentos capazes de despertar um olhar minimamente complacente a tantos desvios! Um mal com dimensões tais, ainda que compartilhado por uma classe inteira, nunca há de ser banal. Ele contraria todo um processo civilizatório que não admite retrocessos. O Estado democrático de direito é conquista que não pode fazer concessões ao atraso ético de seus eventuais usurpadores.
Ainda estou em dúvida se posso desobedecer a uma placa de trânsito cuja ordem o povo entendeu de flexibilizar. Mas o povo é mais sábio do que a lei e esta há de ser a expressão de sua vontade. Há, no entanto, valores que não se prestam a qualquer flexibilização. E o povo sabe quais são. Quando violados no nível escandaloso a que se chegou, é preciso mudar. Mesmo que isso exija o sacrifício de toda uma classe indispensável à democracia, mas, por natureza, sempre renovável.
PS – Sugiro à EPTC acrescentar àquelas placas da Avenida Loureiro da Silva: "Menos aos sábados de manhã". Assim, acabo de uma vez com essa dúvida ética que, todas as semanas, faz com que eu me sinta um pouco parecido com os políticos de Brasília.