Nos meus tempos de guri, achava aquele “nada a ver” uma tremenda de uma desculpa esfarrapada. Fazer bullying com os colegas não é nada demais, nada a ver. Deixar de devolver o troco recebido errado não tem nada a ver. Grande coisa não parar na faixa de pedestres, nada a ver. Furar fila é delito? Nada a ver!
Hoje, mais do que uma reles desculpa, considero esta expressão a manifestação de um limitador do processo de amadurecimento e desenvolvimento da nossa sociedade. O “nada a ver” se configura como dispositivo de isenção da plena responsabilidade pelas nossas ações cotidianas, das menores às maiores. Quando não temos consciência de nossos atos como cidadãos, e suas efetivas consequências, corremos o risco de perder uma outra característica das mais caras: a compaixão. Se nada tem a ver, por que se incomodar, afinal?
Nas minhas aulas de desenvolvimento econômico, para graduação, faço questão de alertar os alunos para o fato de que a sua atividade como economista terá absolutamente tudo a ver com as consequências. Daí brota a responsabilidade de um profissional bem formado e com senso de comprometimento. E isso é concomitantemente construído com o surgimento da capacidade de compreender a posição do outro, com a habilidade de ter compaixão.
O momento que vivemos em nosso país exige um exercício muito intenso de nos livrarmos do “nada a ver”. Não se trata de alimentar um sentimento de culpa generalizado e estéril. Longe disso! Significa exercitar o poder da empatia para podermos avaliar e nos posicionar sobre a avalanche de mudanças que está ocorrendo.
Qualquer política pública deve estar fundamentada na ideia do bem comum. As reformas, o ajuste fiscal, as políticas sociais, tudo isso, tem no seu âmago o objetivo de criar uma sociedade melhor. Mas, elas não surgem, nem prosperam, isoladas. É a sociedade inteira, através da sua noção de responsabilidade e comprometimento, que oferece ou não o suporte necessário.
O esforço para deixarmos de lado o nefasto “nada a ver” é o primeiro passo para ampliar o nosso sentimento de coletividade. O exercício de empatia e compaixão torna a nossa vida muito mais plena, muito mais “tudo a ver”. E isso, muito diferente da ideia de culpa, empresta a certeza da plenitude na participação da construção de uma sociedade melhor.
Feliz 2017!