O ator Gérard Phillipe está numa foto da revista Le Nouvel Observateur (1998) parecendo morder páginas impressas. Posava como modelo de devorador de livros, destinado a ilustrar uma campanha de propaganda em favor do livro do publicitário Henri Sjoberg com o slogan: "Melhor que um presente: um livro".
De onde saiu essa ideia de misturar comidas e livros? A gula só aparece se for despertada por algo que dê muito prazer. A leitura faz isso, desperta prazer, o prazer do texto de que fala Roland Barthes. Adolfo Bioy Casares não deixa por menos – "si no hay placer no hay literatura".
As sensações voluptuosas estão presentes ao se tocar o livro. Continuam em detalhes. O barulho das páginas. O cheiro de papel. O tipo de letra. Exagero? Lembra Alfonso Reyes que Macaulay absorvia os livros pela pele... E há quem leia mexendo os lábios, decerto para melhor saborear as palavras... Todo esse enlevo já acabou em orgia descrita no texto A Biblioteca de Babel de Jorge Luis Borges. Infinita, interminável, dominadora a biblioteca com suas escadarias, prateleiras, meandros, afigura-se um labirinto. Um livro leva a outro e mais outro. Quer numa biblioteca pública ou particular, os leitores estão na mesma situação dos comedores compulsivos, não podem parar, uns arrastados pelas iguarias, outros escravos de uma droga poderosa – a letra impressa. Há dependência e apego. O comedor não quer abrir mão da última almôndega. Sofre pela abstinência e sofre o leitor por algum empréstimo perigoso a que estiver sujeito – o livro pode não voltar. Parece então prudente deixar os livros em seus lugares prediletos: não se pode passar sem eles, a biblioteca é vista mais como um lugar de trabalho do que um lugar de ócios.
Talvez por isso Montaigne mandou gravar nas vigas de sua biblioteca sentenças que lhe pareciam úteis, extraídas dos autores que nunca abandonava. Dizia ele, agia "como o avarento goza do seu tesouro, simplesmente com saber que posso usá-los quando queira".
Alinhados com cuidados meticulosos, neuróticos, os livros estão exatamente como devem ficar os vinhos nas caves, quietos, em lugar fresco, seco, ao abrigo da luz. As prateleiras passam a fazer o papel de "caves do saber humano" como quer Jean-Christophe Baily.
Os livros e seus prazeres encontram-se num suculento bufê: a 62ª feira do livro de Porto Alegre. Bom apetite!