A arte da mentira – provavelmente já se nasce com ela. Temos núcleos cerebrais muito eficientes, relacionados à evolução e adaptação animal. Servem para o aprendizado, autodefesa, e preservação da espécie. O conhecimento de algo novo geralmente não tem impacto imediato, nem modifica comportamento. A repetição é importante, ao consolidar e construir novas relações com experiências anteriores. Tem a ver com a chamada "adaptação emocional" encontradiça a cada passo da existência, em circunstâncias prazerosas e noutras não tanto.
Embora isso tudo já fosse conhecido, volta agora com foros de ciência, resultado de pesquisas na Universidade de Londres, usando técnicas modernas experimentais com neuroimagem.
O assunto não deixa de ser oportuno pelo clima da propaganda eleitoral nossa e de nossos irmãos do Norte, tidos como mais desenvolvidos, mas não menos mentirosos... Também interessa a Lava-Jato, corrupção generalizada, discurso repetitivo nem sempre honesto e verdadeiro.
Ao submeter voluntários a circunstâncias que propiciam a mentira, uma área em particular do cérebro – a amígdala (não tem nada a ver com aquela da garganta) cintila, observando-se progressivo enfraquecimento do sinal com a repetição da experiência. Esta estrutura faz parte do sistema da recompensa – bastante falado – essencial para o aprendizado e formação de hábitos, envolvido na obesidade, no abuso de drogas, fumo, álcool, dependência, amor, ódio, violência etc.
O mecanismo do "faz de novo" é fácil de compreender, e tem a ver com o que acontece quando se traz para a consciência qualquer memória, gozando-a novamente na imaginação, e dando-lhe maior número de conexões ao ser devolvida. Cada retorno consolida o caminho, mas tende a exigir progressivamente uma dose maior do mesmo, para produzir a mesma sensação.
Isso explica a tolerância que se desenvolve com coisas moral e racionalmente inaceitáveis, mas que entram, ou já estão, em nossa rotina. Também não deixa surpresa ao se contemplar tanta gente importante mentindo e roubando. No início, podem ser poucos tostões sonegados, depois usurpados, algumas vantagens "conquistadas", e se chega facilmente à contratação de navios-sonda da Petrobras, transações internacionais e formação de quadrilha. A arte da mentira rouba a verdade e faz o ladrão, seja ele político, empresário, cidadão comum, marginal, psicopata ou bandido. Primeiro mentem para si mesmos para acalmar a consciência, depois tentam convencer todo o mundo.
Há quem diga até que o mundo chamado de real é uma mentira, não existe, é gerado pelo que cada um imagina de melhor para si mesmo, firma-se como verdadeiro, e se consolida ao passar a mentira adiante.
A mentira subsiste porque outros deixam-se enganar ou imaginam-se obtendo vantagens semelhantes às do mentiroso, que vai ficando mais convencido e ousado ao ser aplaudido.
A ficção, o cinema, a "realidade virtual", as redes sociais, o mercado e a política, a fé e a esperança são ambientes propícios para o exercício da arte de mentir. Na tentativa de não se deixar enganar, surgiu a ciência, infelizmente também não incólume à velha arte tão natural e criativa...