Escrevo do Rio de Janeiro, onde a Olimpíada ocupa o cotidiano e é tema monocórdio. Já não se fala no impeachment de Dilma Rousseff, nem contra ou a favor. Os nomes das nossas meninas do vôlei ou de Arthur Zanetti e demais brasileiros medalhistas, viraram estribilho e substituem aquele "fora Temer" que ressoava nas ruas até dias atrás.
A Força Nacional de Segurança encabeça uma benigna "operação de guerra", como se reconquistasse velho território perdido. E o carioca comum, pela primeira vez nos últimos anos, aproveita para caminhar pelas ruas, andar de ônibus, trem ou metrô sem medo; "conhecer" museus, teatros e tudo aquilo que a violência não permite visitar em época "normal". Há férias escolares em todos os níveis e o sonho olímpico não está apenas nos atletas das diferentes modalidades desportivas, mas em desfrutar a cidade ou visitar os centros culturais do novo "porto maravilha", aonde talvez não possam voltar quando o sonho acabe.
Pela primeira vez, nos sentimos felizes ao estar vigiados. Ou, de fato, não estamos vigiados, mas amparados pelo poder do Estado, tão ausente na vida urbana?
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O narcotráfico e a máfia terão dado uma trégua tático-estratégica ao crime, para não criar atritos nem se indispor ainda mais com a população num momento de alegria?
Esse aparente tácito "acordo de cavalheiros" entre o crime e o poder público soa, também, como astuto e mútuo ato de "relações públicas" durante a bebedeira de tranquilidade dos dias Olímpicos.
Mas, passado o porre atual de boa organização, voltaremos à desorganização de antes (e de sempre) guiada pela cobiça corrupta em que a correção é secundária?
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O gigantesco Parque Olímpico é tão majestoso que é impossível narrar o que os olhos veem – tem a imponência monumental das pirâmides do Egito, junto à lagoa da Barra da Tijuca.
O quilométrico chão de cimento não abriga, porém, uma árvore sequer e amplia o calor do sol. Já ao chegar, o cheiro pestilento do lago poluído mostra que lá se despejam detritos de todo tipo.
Dias atrás, ali jogaram 3,7 milhões de litros d'água da piscina de saltos ornamentais, esvaziada devido a um erro no tratamento químico. A água escasseia, mas não aproveitaram uma gota nos sanitários do próprio parque...
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Há esmero na organização. Nos centros de jogos não se vê lixo, papel ou copos de plástico. Todos parecem cuidar-se e também as ruas da cidade estão limpas, ou menos sujas.
Sem falso ufanismo nem pessimista derrotismo, penso que quem sabe organizar uma festa saberá, também, acumular experiência para dar ordem à própria casa. Mas é impossível desconhecer os gastos nababescos e incalculáveis destinados aos jogos, quando a educação e o ensino chegam ao nível mais baixo no Rio de Janeiro e até centros de pesquisa científica estão sem verbas de manutenção.
A baía da Guanabara continua poluída – nas competições à vela, cordões de isolamento aquático buscavam evitar a propagação de lixo entre os barcos. E a empresa de eletricidade Light já se prepara para subir as tarifas, descontando nos clientes parte dos R$ 432 milhões de "gastos extras" com a Rio-2016.
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O 'New York Times' lamentou a "falta de etiqueta olímpica" dos brasileiros assistentes aos jogos, pelas vaias a adversários, e em parte teve razão. Nos jogos no Parque Olímpico, atemorizou-me a balbúrdia da multidão transformada em robô comandado por computador que, com batucada incessante, num painel dava ordens em português e inglês. Mandava fazer ruído, gritar ou aplaudir.
E todos obedeciam à máquina! Pareciam por ela embriagados, muito mais do que pela cerveja consumida por todos os lados, em venda monopolizada pela Coca-Cola, como toda bebida e alimentos.
Os bêbados, porém, não dominaram a assistência. Ou, pelo menos, lá não esteve o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal, que, agora, descobriu que a Lei da Ficha Limpa "parece feita por bêbados". Pelo menos, diz ele, para ser aplicada aos políticos corruptos candidatos na próxima eleição municipal.
Ou a própria lei bebeu demais? Entre nós tudo é possível, até bem organizar uma Olimpíada.