Na segunda-feira (19), estive no Campus do Vale, participando da abertura do "Salão UFRGS 2015", evento que reúne atividades científicas ao longo de uma semana. Juntamente com Raquel Recuero (UCPel) e Sílvio Meira (FGV), realizamos as palestras inaugurais em torno do tema "Redes Sociais: conexões que transformam". Abordei o ódio na internet a partir das contribuições de Hannah Arendt sobre a produção do mal. Situo aqui apenas uma das dimensões do problema. Nas interações face a face, modulamos as intervenções considerando as expectativas dos interlocutores. Assim, por exemplo, se um ateu e um beato conversam, a sensibilidade elementar recomenda que evitem o tema que os separa tão fortemente. A interação nos obriga a considerar o outro de modo a causar "boa impressão". Isto significa projetar uma imagem que, intuímos, possa ser valorizada e evitar que nosso interlocutor identifique valores e comportamentos que autorizem "imagem negativa". Não por acaso, Ervin Goffman e os autores do interacionismo simbólico construíram uma visão "dramatúrgica" das interações sociais onde as pessoas representam diferentes papeis, como se fossem atores. Esta dinâmica é profundamente alterada quando eliminamos os constrangimentos da presença. O outro na internet é uma entidade abstrata. Sem os "filtros" da interação face a face, determinadas postagens serão apreciadas por alguns e detestadas por outros. A dinâmica tende a construir "bolhas" interativas onde nos relacionamos com espelhos. Ao invés do enriquecimento oferecido pelo debate público criterioso, temos a reiteração das perspectivas unilaterais. O que era para ser a experiência mais ampla de deslocamento e surpresa se transforma em raiz, nos termos de uma invariância básica e compulsiva. No caso brasileiro, o anti-humanismo e a ausência de cultura democrática produzem raízes venenosas.
Eliane Brum, no magistral texto "ECA do B" (http://migre.me/rTMbW), expôs parte destas raízes, recortando comentários nas redes sociais sobre o assassinato de crianças por PMs no Rio de Janeiro. O resultado da ironia radical é uma bricolagem sobre a ausência de pensamento. Ali, ao invés da indignação, temos a regra: "Não quer tomar tiro da polícia? Não faz merda" e ao invés de sentimentos, a máxima: "Tá com pena? Leva pra casa". No passado, quem se expressasse assim não passaria de ano. Hoje, este discurso é repetido em emissoras de rádio e TV e aprova projetos de lei no Congresso Nacional, com os préstimos da Jesus.com. O mesmo fenômeno é perceptível no "debate político" onde o Brasil é só o que não importa.