Contrariamente ao que se costuma afirmar, John Maynard Keynes não propunha déficits públicos a qualquer preço: eles deveriam ocorrer quando os esforços de estabilização automática do ciclo econômico falhassem. Ademais, conforme Keynes, a política fiscal conduzida de forma equivocada não seria capaz de sinalizar expectativas positivas para as decisões de investimentos.
A partir dessa ideia, duas reflexões emergem sobre a condução da política fiscal nos governos Dilma Rousseff: por um lado, a "nova matriz macroeconômica" não teve raiz keynesiana, pois a política fiscal foi essencialmente expansionista e pragmática; e, por outro lado, Keynes nos fornece relevantes insights para a proposição de um ajuste fiscal no Brasil, que vai além do ajuste temporário das contas públicas, via contenção de gastos e aumento de impostos.
Para Keynes, o orçamento público teria duas contas: corrente e de capital. A primeira estaria relacionada às despesas com os serviços públicos e a segunda dinamizaria os investimentos públicos. Nessa proposição de orçamento bipartite, as contas corrente e de capital deveriam ser superavitária e equilibrada, respectivamente. Logo, responsabilidade seria uma premissa na condução da política fiscal.
Quanto às receitas, elas viriam dos impostos, principalmente sobre ganhos de capital dos rentistas e sobre a herança, que também deveriam ser utilizados para melhorar a distribuição da renda.
O que podemos resgatar de Keynes para o ajuste fiscal brasileiro? Primeiro, seria interessante se ocorresse um ajuste que, de fato, segregasse o orçamento público em duas contas: gastos correntes e investimentos públicos. Segundo, os investimentos públicos deveriam ser decididos com uma ampla participação de entidades econômicas e, tal qual o plano plurianual, teriam que se estender para além de um mandato presidencial, mitigando, assim, a influência do ciclo político-eleitoral. Terceiro, longe de propor um Estado interventor, Keynes sugeria um Estado que criasse um ambiente institucional favorável às tomadas de decisão de gastos dos empresários.
Em suma, para Keynes, orçamento fiscal equilibrado, dívida pública sob controle e ação do Estado deveriam passar pela racionalidade humana, tanto daqueles que propõem e executam, Executivo, quanto daqueles que sancionam, Congresso Nacional.
Infelizmente, a discussão e a proposição do ajuste fiscal no Brasil estão longe das referidas lógica e racionalidade.