
O terremoto que atingiu Mianmar, deixando 2.056 mortos e mais de 3,9 mil feridos, aconteceu em meio a uma situação já crítica no país. Com pouco mais de 50 milhões de habitantes, Mianmar, anteriormente conhecido como Birmânia, enfrenta um contexto de instabilidade, potencializado pelo golpe militar de 2021, que gerou uma escalada nos conflitos internos.
Em entrevista ao programa Gaúcha +, da Rádio Gaúcha, o brasileiro Diogo Alcântara, porta-voz do Alto Comissariado para Refugiados da ONU (Acnur) em Mianmar, detalhou os impactos do desastre. A entrevista foi realizada via WhatsApp, com o uso de VPN, devido às restrições de acesso à internet impostas pelo governo.
— É uma sobreposição de tragédias — disse Alcântara.
Segundo Alcântara, o golpe militar desencadeou uma série de conflitos armados, não apenas entre os grupos armados e o exército, mas também entre os próprios grupos insurgentes. Esse ambiente de guerra civil agravou os efeitos do terremoto.
O porta-voz apontou duas consequências importantes desse contexto pré-existente. Por um lado, a presença consolidada de agências humanitárias permitiu uma resposta rápida à tragédia. Por outro, o terremoto intensificou a crise já complexa:
— O terremoto atingiu justamente a região mais impactada pelo conflito. Para algumas pessoas, é a segunda ou terceira vez perdendo tudo o que têm.
Diogo ressaltou que o deslocamento forçado de populações tem sido uma das consequências mais graves.
— Significa você, do dia para a noite, ter que sair de casa com a roupa do corpo — explicou Diogo, que continua apontando que muitas pessoas, que já haviam fugido da violência, agora se veem obrigadas a sair de suas casas novamente devido a desastres naturais:
— A violência chegou na cidade delas, elas saíram dali, depois chegou de novo, fugiram outra vez, e agora o terremoto atingiu justamente essa região — disse Diego sobre a região noroeste do país, que já era uma das mais afetadas pelos confrontos e recebia cerca de metade dos deslocados.
Desabrigados
Além das edificações destruídas, Alcântara aponta para um receio generalizado de retornar para as moradias que permaneceram de pé. Réplicas do terremoto, menores tremores que seguem o primeiro, fazem com que muitos prefiram dormir nas ruas, sob condições precárias e sem segurança, contou o representante da ONU.
A infraestrutura do país, já fragilizada, sofreu ainda mais danos. O acesso à internet e à energia elétrica, que já era precário, piorou com o desastre. Enquanto falava com a Rádio Gaúcha, Alcântara presenciou um apagão e explicou a situação:
— Antes, eram quatro horas com energia e oito sem. Agora, são quatro horas por dia com eletricidade e o resto sem. Isso impacta a economia, inflaciona o preço do combustível, que afeta todos os outros preços.
O terremoto
O balanço do terremoto em Mianmar aumentou para 2.056 mortos, informou nesta segunda-feira (31) a junta militar que governa o país, que também anunciou que mais de 3,9 mil pessoas ficaram feridas.
Um porta-voz da junta afirmou que 270 pessoas estão desaparecidas, três dias após o potente terremoto de magnitude 7,7 que atingiu este país e a vizinha Tailândia, onde 18 pessoas morreram.
Apesar da chegada gradual da ajuda internacional, o número de mortos pode continuar aumentando, em um país onde grande parte da população vive próxima à Falha de Sagaing, onde as placas indiana e eurasiática se encontram.
"Grave escassez" de suprimentos
As agências internacionais alertaram que Mianmar não tem recursos para lidar com um desastre dessa magnitude.
Antes do terremoto, as Nações Unidas já estimavam que cerca de um terço da população estaria em risco de fome em 2025.
Uma "grave escassez" de suprimentos médicos dificulta a ajuda, alertou a ONU, ao afirmar que os socorristas não têm equipamentos de trauma, bolsas de sangue, anestésicos e medicamentos essenciais.
As operações de resgate também são prejudicadas pelos danos a hospitais e infraestrutura de saúde, assim como estradas e redes de comunicação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) enviou com urgência quase 3 toneladas de suprimentos médicos para hospitais em Mandalay e Naypyidaw, a capital, onde milhares de feridos estão sendo tratados.
No domingo, a OMS lançou chamado para arrecadar rapidamente o equivalente a R$ 46 milhões para salvar vidas e prevenir epidemias nos próximos dias.
"As avaliações preliminares indicam número elevado de vítimas e feridos relacionados a traumatismos, que precisam de atendimento de urgência", declarou a OMS. A organização "classificou essa crise em urgência nível 3", o mais elevado de seu programa de intervenção.
A China enviou 82 socorristas e prometeu US$ 13,8 milhões (R$ 79,5 milhões) em ajuda. A Cruz Vermelha lançou um apelo para arrecadar US$ 100 milhões (R$ 576 milhões).