No campo Oum Raquba, no Sudão, refugiados etíopes, desamparados depois de deixar suas casas e sentindo culpa pelos parentes que ficaram para trás, vivem horrorizados com as imagens de morte.
Com um vestido azul e um lenço branco, sentada no chão, Ganet Gazerdier está sozinha porque os bombardeios na região etíope de Tigré não só destruíram sua casa em Humera, mas também sua família.
"Eu morava com minhas três filhas. Quando os projéteis começaram a chover na nossa casa, apavoradas, fugiram no escuro e não consegui encontrá-las", explica a mulher, de 75 anos.
"Reconheci alguns amigos que estavam fugindo e os segui", diz.
No caminho, "vi corpos desmembrados pelas explosões, e outros apodrecidos, no chão, esfaqueados até a morte", continua.
Ela parou outros refugiados para contar sua história, mas ninguém lhe deu atenção, pois cada um vive com seu infortúnio.
"Tenho outra filha que mora em Cartum, mas não sei o endereço dela, como poderia encontrá-la naquela grande cidade?", murmura.
O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, lançou uma ofensiva contra a região separatista de Tigré no início deste mês, que já matou centenas e obrigou milhares a fugir para o Sudão.
Uma "crise humanitária em grande escala" está se desenrolando na fronteira do Sudão-Etiópia", alertou a ONU nesta terça-feira. De acordo com um porta-voz da agência de refugiados das Nações Unidas, 4.000 pessoas cruzaram a fronteira com o Sudão todos os dias desde 10 de novembro.
Segundo Gerdo Burhan, de 24 anos, um grande infortúnio aguarda os jovens de Tigré que caem nas mãos dos soldados etíopes.
"Eles perguntam, com a arma apontada para você, se pertence ao exército de Tigré. Se tiverem a menor dúvida, você está morto. Atiram em você imediatamente e deixam o corpo na rua", diz Gerdo, que conseguiu fugir, mas perdeu o pai, a mãe e duas irmãs no caminho.
"Eu nem sei se eles ainda estão vivos", explica.
- Culpa -
Diante do fluxo de refugiados, as autoridades sudanesas decidiram reabrir o campo de Oum Raquba (leste), localizado a 80 km da fronteira com a Etiópia.
Fechado há 20 anos, serviu de refúgio para muitos etíopes que fugiam da fome.
Agora, os trabalhadores lutam contra o tempo, pos po local abrigará 25.000 refugiados, 10 vezes mais do que o número que acolhe atualmente.
Para aqueles que conseguiram fugir, prevalece a incerteza sobre o destino de entes queridos abandonados.
Escapando dos soldados, Messah Geidi perdeu sua esposa e filho de quatro anos, e ele não se perdoa. "Não sei onde estão, nem se estão vivos. Fugi porque em Mai Kadra o exército matava os jovens como ovelhas", explica.
De acordo com a Anistia Internacional, há centenas de vítimas civis em Mai Kadra, no sudoeste da Etiópia.
Isso poderia constituir um "crime de guerra", segundo a ONU.
No campo de Oum Raquba, Takli Burhano, de 32 anos, conta que escapou por pouco da morte. Detido em Mai Kadra, afirma ter sido espancado por horas e então os militares decidiram executá-lo.
"Então um soldado se aproximou do comandante e disse: 'Não pode fazer isso, ele foi meu professor'. Ele salvou minha vida", comenta.
* AFP