O chefe de Estado provisório argelino Abdelkader Bensalah assinou um decreto pedindo eleições presidenciais em 4 de julho, informou nesta quarta-feira um comunicado oficial transmitido pela agência estatal de notícias APS.
Desde o dia 22 de fevereiro, a Argélia é palco de gigantescas manifestações que exigiam, inicialmente, a saída do presidente Abdelaziz Buteflika, que acabou renunciando no dia 2 de abril.
Agora, os protestos têm como tema principal o fim do "sistema" de poder que deu sustentação ao ex-presidente. "Abdelkader Bensalah, chefe de Estado, assinou na terça-feira, 9 de abril de 2019, no dia em que assumiu o cargo, o decreto que prevê a eleição presidencial em 4 de julho de 2019", afirma o comunicado oficial.
Apesar desta proposta, Bensalah, presidente do Conselho da Nação (câmara alta do parlamento) há 17 anos e considerado como parte do "sistema" representado por Buteflika, enfrentou nesta quarta novos protestos e uma convocação para uma greve geral .
- "Transparência" -
O chefe do Estado Maior do Exército, o general Ahmed Gaïd Salah, garantiu que os militares irão "velar" pela "transparência" e pela "integridade" do processo de transição, além de classificar como "irresponsável" o fato de "administrar o período de transição sem instituições".
Existem nas manifestações "slogans irrealistas para (...) destruir as instituições do Estado", lamentou o militar, uma figura proeminente no país desde que seus pronunciamentos desencadearam na saída de Buteflika, após semanas de manifestações.
Salah, que estava em Orã, alertou também sobre "tentativas de alguns países" de "desestabilizar o país", sem dar mais detalhes.
Pela manhã, milhares de manifestantes, entre eles professores, estudantes e médicos, acompanhados por um forte dispositivo policial, se reuniram novamente no centro da capital argelina e exigiram mudanças, dando continuidade a protestos que começaram há sete semanas.
"'Saia, Bensalah!" e "Argélia Livre", gritaram os participantes.
Segundo o site TSA (Tudo sobre Argélia), também ocorreram protestos em outras cidades, como Bouira (sudeste) e Tizi Ouzou (leste).
Os manifestantes rejeitam tanto Bensalah e Nureddin Bedui, o primeiro-ministro, quanto Tayeb Belaiz, presidente do Conselho Constitucional, e pedem "um período de transição administrado por representantes das pessoas fora do sistema".
Pela primeira vez em sete semanas de protestos, a polícia usou gás lacrimogêneo para tentar dispersar os manifestantes, constataram jornalistas da AFP. Jatos d'água também foram usados.
- "O último do clã" -
"O que aconteceu ontem foi uma violação do nosso direito de manifestação", disse Asma, de 22 anos, uma estudante de jornalismo. "Vamos continuar, todos os dias se necessário, até que o último do clã tenha saído".
Na próxima sexta-feira, dia que tradicionalmente ocorrem os principais protestos contra o regime, esperam-se novas manifestações pelo país.
Segundo Mohamed Hennad, professor de Ciência Política na Universidade de Argel, "a relação de forças será a favor das ruas caso a mobilização da próxima sexta for gigantesca".
De acordo com o jornal Quotidien d'Oran, a posse de Abdelkader Bensalah, apesar das manifestações contrárias, é um "prelúdio de mudança de posição em relação aos protestos".
Já o jornal El Moudjahid, um veículo ligado ao governo, afirma que a chegada de Bensalah significa que "o rumo em direção da organização das eleições presidenciais, nos prazos da Constituição, foi mantido".
"Bensalah é um resíduo do sistema, não confiamos nele. Durante 20 anos nos fez promessas, o resultado é que ficaram com tudo e deixaram mais pobre o povo", afirmou Lahcen, de 26 anos, que trabalha em um café em Argel por 180 euros por mês (cerca de 750 reais). "Queremos eleições livres e realmente democráticas".
Em meio ao movimento de contestação popular que levou à renúncia de Bouteflika, o diretor do escritório da Agence France Presse (AFP) em Argel, Aymeric Vincenot, de 45 anos, foi expulso na terça-feira pelas autoridades argelinas, que se negaram a renovar sua credencial para 2019.
Vincenot, de 45 anos, que ocupava o cargo em Argel desde junho de 2017, teve de deixar o país. A decisão foi considerada "inaceitável" pelo presidente da AFP, Fabrice Fries, que disse que "nessas condições", não se considera nomear de imediato um novo diretor para a Argélia.
O Ministério francês das Relações Exteriores emitiu um comunicado no qual lamenta essa decisão e lembra do "compromisso com a liberdade de imprensa e com a proteção dos jornalistas no mundo todo".
Para o presidente da ONG Repórteres sem Fronteiras, Christophe Deloire, "a expulsão do diretor do escritório da AFP na Argélia é mais do que um sinal extremamente negativo". "É o indício de uma vontade de dissimulação: por que violar a liberdade de imprensa nesse período político?", acrescentou, no Twitter.
* AFP