
Poderia um cartão de memória derrubar uma ordem política? Essa é a dúvida na Grécia, onde um tragicômico debate sobre o que se fez de uma lista de quase 2 mil gregos com contas bancárias na Suíça está rapidamente se transformando numa crise política - e ameaçando o frágil governo de coalizão grego num momento crucial.
Quando o ministro das Finanças grego e um de seus antecessores afirmaram que a lista havia sumido - e outro ex-ministro das Finanças disse que a havia entregado às autoridades -, a história foi vista como uma travessura quase risível. Mas em meio a outras investigações de corrupção abertas nas últimas semanas, a história assumiu um tom mais sombrio. Um ex-vice-ministro do Interior - que, segundo a imprensa grega, estava sendo investigado por corrupção - foi encontrado morto num aparente suicídio.
Enquanto o governo de coalizão do primeiro-ministro Antonis Samaras luta para chegar a um acordo sobre as medidas de um pacote de austeridade para garantir o financiamento estrangeiro de que o país precisa para vencer a corrupção, as investigações são vistas menos como um esforço de arrumação do que como uma luta franca - com políticos quebrando alianças num clima de suspeitas e até mesmo chantagem.
- O que vemos se desenrolar no sistema político é uma tragédia com elementos de comédia - declarou Pantelis Boukalas, colunista do jornal Kathimerini.
Hoje, as mesmas pessoas apontadas nas investigações estão nos partidos que formam os pilares do governo de Samaras - um governo aceito e apoiado pelos líderes europeus -, e resta saber o quanto de autoexame (sem falar nas acusações criminais) será necessário antes que toda a estrutura entre em colapso.
As investigações também revelaram as íntimas ligações entre o establishment político grego e seus oligarcas e elite empresarial. Há uma crescente indignação pública pelo fato de que nenhum governo quis tocar na infame lista de 1.991 gregos com contas numa filial do banco HSBC em Genebra - entregue à Grécia em 2010 pelo governo francês, com o objetivo de atacar a evasão fiscal.
Depois que o ministro das Finanças Yannis Stournaras disse ao The Financial Times que a lista parecia ter desaparecido do ministério, um de seus antecessores, George Papaconstantinou, deu uma entrevista à TV afirmando ter recebido a lista no final de 2010 de Christine Lagarde, então ministra das Finanças francesa e atual diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele declarou que havia passado diversos nomes da lista ao chefe da unidade de crimes financeiros da Grécia no início de 2011, e a lista completa ao sucessor dessa autoridade, Ioannis Diotis, em junho daquele ano.
Falando ao comitê de ética do Parlamento, Diotis reconheceu ter recebido um cartão de memória com os nomes de Papaconstantinou em junho de 2011, o mês em que o ministro das Finanças deixou o cargo. O investigador de crimes financeiros disse ter mostrado a lista ao sucessor de Papaconstantinou, Evangelos Venizelos, o atual líder socialista, mas que Venizelos não o instruiu a investigá-la.