Karachi, Paquistão - Podem as celebridades e a moda salvar o Paquistão de sua imagem obscura? Essa é a proposta da Hello! Paquistão, uma nova e sofisticada revista que abriu uma nova janela para a vida da elite dourada do país e reacendeu um velho debate sobre seu papel em uma sociedade conturbada.
A Hello! Paquistão é a edição local da revista de celebridades britânica Hello!, famosa por suas entrevistas de tom ameno com estrelas de cinema e profusão de fotos de aristocratas e membros menores da realeza. Mas os editores paquistaneses prometem algo diferente: uma ênfase no "lado suave" do país, que enfrenta o insistente enfoque ocidental nas burcas, bombas e no Talibã.
- Nosso propósito não é salvar o mundo - disse Zahraa Saifullah Khan, de 29 anos, editora da revista, nascida no Paquistão e educada na Inglaterra. - Ainda assim, ela funciona como um ponto de partida para mostrar que não somos todos um bando de terroristas barbudos.
Muitos jovens profissionais paquistaneses, cansados de ver seu país sendo representado como um caldeirão de caos, aplaudiriam essa ideia. Mas nem todos concordam que divulgar imagens retocadas da endinheirada classe alta é o caminho para alcançá-la.
- É a vida dentro da bolha - disse Shakir Husain, empresário de softwares que criou o Fashionistas contra o Talibã, um grupo satírico do Facebook que passou a ser cultuado nas mídias sociais paquistanesas. - E essa bolha está cheia de disparates absurdos.
A revista é a mais recente afirmação de uma efervescente cultura de celebridades que prosperou no Paquistão na última década, apesar da turbulência política e da violência extremista. As pomposas revistas de sociedade têm vendido bem, mostrando paquistaneses abastados em festas luxuosas, casamentos e bailes de caridade, geralmente com taças de vinho ou copos de uísque, escondidos discretamente. A mais famosa se chama "Good Times".
O glamour, entretanto, vem da indústria da moda. Os estilistas são a âncora do ambiente das festas de celebridades, enquanto as modelos, que chegam a ganhar mil dólares por noite na passarela, exibem roupas sensuais e proporcionam um atrevido deleite visual em um país onde as demonstrações carnais públicas são malvistas.
As modelos são também recheio para os tabloides: uma delas, Veena Malik, causou alvoroço neste ano quando apareceu quase nua na capa da uma revista indiana para homens, com as iniciais ISI, referência à principal agência paquistanesa de espionagem, tatuadas no braço.
- Nos dê uma oportunidade - disse Deepak Perwani, um renomado estilista, na Semana de Moda do Paquistão, que atraiu pessoas ligadas ao meio da moda de Karachi ao longo de quatro noites em abril. - Nós somos legais.
Porém, defender os ricos e glamorosos pode ser algo controverso em um país com um abismo social vertiginoso e uma economia cambaleante, onde muitas das riquezas provêm de heranças, corrupção ou contatos; e onde a camada superior da sociedade paga notoriamente mal sua parcela justa de impostos ou, de fato, não paga imposto nenhum.
O debate foi incorporado por uma das marcas mais badaladas da moda, a Sana & Safinaz, depois que ela publicou, em março, anúncios em outdoors que mostravam porteiros de trem envelhecidos - ainda conhecidos pelo termo colonial "coolie" - segurando malas da Louis Vuitton para um modelo delgada com um vestido ondulante. "Que pouco coolie!", dizia uma manchete.
Então, a Hello! Paquistão entrevistou as duas estilistas da marca em uma mansão de luxo à beira-mar. Uma delas, Safinaz Muneer, vangloriou-se por conta de como os seus funcionários conseguiam passar 1.500 horas bordando um vestido "que não custaria nada ao cliente".
Para os críticos, isso reflete a falta de sensibilidades de uma elite cada vez mais desconectada - dois anos atrás, outra estilista disse a um repórter como tinha lamentado "quando meus alfaiates formaram um sindicato e tive que demitir todos."
Mas as estilistas não se arrependeram; em uma entrevista nos bastidores de um desfile de moda em Karachi, Muneer contra-atacou seus críticos.
- Uma tempestade em uma xícara de chá elitista - disse ela, enquanto modelos se preparavam para subir à passarela com algumas de suas criações mais recentes. - Diga-me, com o que esses críticos contribuíram?
Além disso, a controvérsia não prejudicou os negócios da marca. A sua coleção de peças de algodão translúcido, usado para fazer vestidos de verão tradicionais, agora uma sensação fashion, esgotou-se em poucas horas. Foi um sinal, dizem os entendidos da moda, de que o negócio está rompendo as fronteiras das celebridades e entrando na corrente popular da classe média.
A empresa também está cruzando fronteiras: a mania do algodão translúcido se espalhou para Índia, onde uma promoção realizada em Nova Déli durante a primavera motivou cenas frenéticas de disputa por compras.
Enquanto isso, a fraternidade da moda paquistanesa se dividiu em campos rivais, com sede em Lahore e Karachi - um sinal da contenciosa cultura política do país, certamente, mas também de um negócio que tem cada vez mais em jogo em termos financeiros.
- Os desfiles de moda costumavam ser apenas ocasiões de entretenimento, mas isso mudou - disse Maheen Khan, estilista veterana que produziu bordados para a cenografia do recente filme hollywoodiano "Branca de Neve e o Caçador".
- A bolha estourou.
No entanto, o mérito cultural da explosão de celebridades sustentada pela moda é controverso, porque sua importância deriva da perda de vigor de outras formas de expressão.
Enquanto Bollywood domina a cultura pop indiana, a indústria cinematográfica do Paquistão é esmagada pelos nacionalistas islâmicos. Danças tradicionais sul-asiáticas, consideradas "não-islâmicas" pelos conservadores, têm diminuído. Escritores paquistaneses se destacam no exterior, mas enfrentam dificuldades para obter reconhecimento no próprio país. A ameaça da violência islâmica impediu a realização de concertos de música pop e eventos esportivos.
O vácuo resultante disso, disse Faiza Sultan Khan, editora e crítica literária, tem levado os paquistaneses a assumirem posições conflitantes - em relação à religião ou ao consumismo de estilo ocidental.
- O consumismo se tornou a prática vigente e a moda está reagindo a isso - disse ela. - Isso é o que acontece quando se tem uma sociedade sem o compartilhamento de cultura.
Até agora, a Hello! Paquistão tem se situado em um meio termo entre as boas obras e o glamour. As três primeiras edições contaram com o ator Sean Penn falando sobre o auxílio a inundações, fashionistas em vestidos colados discutindo sapatos Louboutin e fotos de um general da ISI montado a cavalo, galopando por um campo de polo.
Para Sultan Khan, a crítica literária, a revista deveria se concentrar no que a Hello! faz de melhor - fofocas de celebridades e fotografias brilhantes.
- A ideia de que ela deveria apresentar um retrato do Paquistão me irrita - disse ela. - Não é como se perdêssemos as dezenas de pessoas que morrem violentamente todos os dias por causa da nossa imagem ruim.
Khan, a editora, disse que as vendas - cerca de 15 mil exemplares por edição, um bom número - falam por si.
- É fácil sentar em uma sala de desenho e se queixar amargamente sobre tudo o que aconteceu de errado com o Paquistão. Cada um tem que fazer sua parte.
Outros expressaram uma posição mais complexa: desconfortáveis com a realidade que a Hello! retrata, mas, num país eclipsado pelas forças obscuras da intolerância, contentes simplesmente pelo fato de que a revista existe.
- Os ricos vivem uma realidade paralela em todos os lugares, embora no Paquistão sua opulência pareça excessiva porque a classe média é pouco expressiva - disse Mohsin Moni, escritor especializado em sátira social. - Mas se tivesse que fazer uma opção clara entre a vida como retratada nas páginas da Hello! ou como Osama bin Laden queria que ela fosse, eu teria escolhido a Hello!. Mesmo que isso me deixe louco, todos têm direito a festejar.