
A criação de emendas parlamentares impositivas ao orçamento da prefeitura de Porto Alegre, alvo de investigação do Ministério Público por suspeita de desvio de recursos, foi aprovada em 14 de agosto de 2019 na Câmara de Vereadores.
Foi necessário votação em dois turnos porque o projeto que criou a modalidade, de autoria do então vereador Cassio Trogildo, à época filiado ao extinto PTB, modificou a Lei Orgânica do Município. Um dia após a aprovação em plenário, a então presidente da Câmara, Mônica Leal (PP), promulgou a emenda 46/2019 à Lei Orgânica.
Passou a ter validade a legislação, que obriga a prefeitura de Porto Alegre a realizar os investimentos das emendas impositivas de vereadores. O mecanismo permite desde repasses a secretarias municipais para a realização de políticas públicas até o envio de recursos para hospitais que atendem pelo SUS ou para organizações da sociedade civil que prestam serviços públicos em áreas diversas.
O que diz a legislação
A norma define que as indicações dos vereadores se limitarão a 0,65% da receita corrente líquida do município. Metade dos valores distribuídos por eles deve ser dedicada à saúde.
Um exemplo sobre o montante disponível por ano pode ser observado em 2023: cada um dos 36 vereadores à época — hoje são 35 — teve a cota de R$ 1,4 milhão para destinar em emendas impositivas, conforme material de divulgação da prefeitura de Porto Alegre. O bolo poderia ser dividido em, no máximo, 20 indicações de repasses para diferentes finalidades e instituições.
Investigação
Três pessoas são rés em ação de improbidade administrativa pelo suposto desvio de emenda impositiva ao orçamento de Porto Alegre em 2024. Um assessor do então vereador Airto Ferronato (PSB) teria articulado para que o Instituto Urbis Porto Alegre — Cidadania e Participação Popular assinasse termo de fomento com a prefeitura da Capital, com repasse de R$ 400 mil, para a realização de um seminário sobre lideranças comunitárias e desenvolvimento local.
Do montante, R$ 250 mil teriam sido desviados para a conta da mulher do assessor e R$ 126,4 mil teriam sido usados pelo dirigente do instituto para pagar contas de outra entidade. O seminário que justificou o repasse de recursos públicos nunca ocorreu. Os réus na ação de improbidade são o ex-assessor Vinícius de Araújo Pacheco, a esposa dele, Renata Bernardes Kehl, e o presidente do Urbis, Arnobio Mulet Pereira.
O Ministério Público sustenta que Ferronato não teve participação no suposto esquema e tentou cancelar a emenda quando tomou conhecimento, mas ela já havia sido paga pela prefeitura em parcela única. Depois, ele denunciou o caso às autoridades. O ex-assessor teria atuado à revelia do parlamentar, usando a assinatura digital de Ferronato.
No caso denunciado na ação de improbidade, quem repassou o dinheiro da emenda ao Urbis foi a Secretaria Municipal de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV), comandada por Cassio Trogildo, autor da lei que criou as emendas impositivas em 2019, época em que tinha mandato de vereador.
— O projeto de emenda à Lei Orgânica é um dispositivo Constitucional e determina que uma pequena parcela do Orçamento seja destinada pelos vereadores para atender a demandas da população da cidade — diz Trogildo (leia mais abaixo).
A promotora Roberta Brenner de Moraes, autora da ação de improbidade contra os réus, mencionou nas peças de acusação a "fragilidade" no controle da prefeitura no uso de recursos públicos, com a exclusão da Controladoria-Geral do Município (CGM) do fluxo do sistema informatizado de execução de despesas orçamentárias. Em consequência disso, as análises da CGM deixaram de acontecer antes dos pagamentos.
Ajuste na legislação
Uma lei municipal de 2013 declarou o Urbis como instituição de utilidade pública, o que permite à entidade se credenciar para receber recursos públicos e benefícios fiscais. Na quinta-feira (27), após a publicação da reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) sobre o possível desvio de recursos de emendas parlamentares por intermédio do Urbis, o vereador Moisés Barboza (PSDB) protocolou projeto de lei na Câmara para endurecer critérios.
A proposta de Moisés, que terá de ser aprovada no plenário, prevê a suspensão dos efeitos da lei que atribui a uma sociedade o título de utilidade pública enquanto ela for investigada por suposta participação em crimes. As instituições de utilidade pública que forem condenadas em processo criminal terão o título revogado. O texto original do projeto de lei não menciona a extinção do título em caso de condenação em ação civil de improbidade administrativa.
Contrapontos
O que diz a defesa de Vinícius de Araújo Pacheco e Renata Bernardes Kehl
"Através de seu procurador constituído, o advogado Marçal Carvalho, afirma ter ciência do teor das imputações feitas pelo Ministério Público em sede de Ação Civil de Improbidade Administrativa e, desde já, coloca seus clientes à disposição da justiça na certeza de que, ao seu tempo, todos os fatos serão esclarecidos."
O que diz Arnobio Mulet Pereira
Em entrevista a Zero Hora, Pereira admitiu ter cometido equívocos na gestão do dinheiro público.
O que diz Cassio Trogildo
“O projeto de emenda à Lei Orgânica é um dispositivo Constitucional e determina que uma pequena parcela do Orçamento seja destinada pelos vereadores para atender a demandas da população da cidade.
Quanto à emenda destinada ao Instituto Urbis, a própria investigação já está apontando os responsáveis pelas supostas irregularidades e a SMGOV solicitou, por meio da Procuradoria-Geral do Município (PGM), o ingresso do Município como autor da Ação, junto com o Ministério Público, colaborando e corroborando com a apuração dos apontamentos.
Desde 2022, a atribuição do acompanhamento da execução das emendas impositivas ao Orçamento é da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão (SMPG).”