As cargas horárias dos médicos reguladores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foram alvo de discussão em reunião online realizada no dia 13 de julho. A gravação do encontro, obtida pelo Grupo de Investigação (GDI) do Grupo RBS, mostra o então diretor da Central Estadual de Regulação, Eduardo Elsade, e outros profissionais tentando justificar os descumprimentos de horários.
— Vocês sabem que a lei que determina carga horária de plantões médicos exige uma periodicidade que é praticamente impossível de ser cumprida por servidores médicos. Nenhum médico, quer dizer, com raríssimas exceções (consegue cumprir). Não é só a questão do sistema de ponto não entender essa sistemática. Ninguém entende sistemática de plantão médico — diz Elsade no encontro, que continua com críticas à rigidez na legislação:
— A gente tentar explicar isso para um técnico da SPGG (Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão), ele vai olhar a lei e perguntar qual a dificuldade. Vai dizer que tem de fazer de 12 horas (trabalhando), fora 36 horas, mais 12 horas. Só que isso isso num encaixe de sistemática de hora médica ninguém encaixa. Quem é que aceita ser plantonista tendo uma semana diferente da outra? E tu nunca sabe qual vai ser a outra semana. Ninguém consegue compatibilizar dois ou três empregos em que seja plantonista se a gente fizer assim.
Elsade foi afastado do cargo no final de agosto, após decisão conjunta da Secretaria Estadual de Saúde (SES-RS) e da Casa Civil. No seu lugar, assumiu interinamente a diretora adjunta, Laura Sarti de Oliveira.
Nesta reunião a qual o GDI teve acesso, Laura estava presente, aparecendo ao lado de Elsade nas imagens. Ela também faz críticas ao trabalho da SPGG.
— A SPGG, ela é engessada. Eu quase pedi pra sair do cargo porque eu estou numa reunião com eles lá e cansei de argumentar. Eles não entendem como é nossa escala. Na cabeça deles é a lei e ponto final — diz Laura na reunião.
Uma das medidas anunciadas pela secretária da Saúde, Arita Bergman, para aumentar o controle de frequência dos médicos no Samu, seria a instalação de catracas, mas na reunião, Laura diz que isso seria inviável.
— Um dos questionamentos que veio para cá é se a gente queria colocar uma catraca ali na frente, para poder fazer o controle (de entrada e saída). A gente disse que não precisaria uma catraca, até porque não tem como usar uma catraca com controle de efetividade, uma vez que existe o ponto que é contratado pelo Estado — explica a então diretora adjunta.
No encontro virtual, os gestores do Samu anunciam que médicos receberão senhas para trabalhar de casa. Por enquanto, 10% da jornada poderá ser feita pelo sistema de teletrabalho.
— No próximo mês (agosto), todos que tiverem interesse terão login e senha, e uma carga horária de treinamento de 10% da carga horária de vocês — explica Elsade.
O então diretor da regulação anuncia que o mês dos médicos reguladores passará a ter 28 dias, e não 30 ou 31, como acontece com outros trabalhadores. Ele cita, no encontro virtual, que é uma "batalha antiga que vai ser reconhecida".
— Vai ser considerada carga horária cheia, digamos, de 120 horas para quem tem 30 (contrato de 30 horas) — explica o então diretor.
Entenda a farra nas escalas do Samu
Desde o final de agosto, o Grupo de Investigação (GDI) do Grupo RBS vem mostrando como um grupo de médicos reguladores da central estadual do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) descumpriam suas cargas horárias de trabalho. Todos os citados atuam ou atuavam na central que fica em Porto Alegre e atende ligações de 269 cidades gaúchas. O foco dos descumprimentos está nos turnos da noite e da madrugada. Os profissionais que deveriam trabalhar 12 horas, entre 19h e 7h, atuam um terço ou menos desta carga. Mas eles recebem salários integrais, com abonos no relógio-ponto. Desde o início da série de reportagens, o governo estadual abriu uma comissão de sindicância para investigar a situação, além de afastar dos cargos o diretor de Central de Regulação da Secretaria Estadual de Saúde (SES-RS), Eduardo Elsade, e o coordenador do Samu estadual, Jimmy Luis Herrera Espinoza.
Laura segue e explica sobre o funcionamento dos horários. Depois, ela cita que serão oferecidas aulas online que vão contar como horas trabalhadas. É a retomada de um modelo que existia antes, mas de maneira presencial. A presença mínima exigida nas aulas era de 50%. E cada aula, que tinha uma hora e meia, equivalia a seis horas trabalhadas.
— Essas horas valiam como carga horária. Eram duas aulas por mês que contavam, cada uma, como seis horas trabalhadas — diz Laura.
A mudança para o sistema online é porque no modelo anterior, por ser obrigatoriamente presencial, não houve interesse dos servidores. Uma médica inclusive reclama da situação antiga na reunião:
— A gente está num momento de sobrecarga e eu ainda tenho de assistir a uma aula. Se isso for me descontar (da carga horária), se for compensar, sim. Mas (se apenas) é mais uma coisa que tenho que fazer, não tenho interesse.
O então coordenador da Samu estadual, Jimmy Luis Herrera Espinoza, que também já foi afastado, faz um pedido:
— A gente precisa que as pessoas se esforcem e assistam.
Na reunião, Elsade reforça que seguirá com as flexibilizações de horário. E uma das médicas reguladoras citadas nas reportagens do GDI se manifesta. É Tarine Christ Trennepohl, que tem dois contratos que somam 60 horas de trabalho semanal. Com isso, recebe salário de R$ 23.133,37. No encontro virtual, ela chama de louco quem cumpre as 60 horas.
— Aqui é intenso o trabalho. Eu sou louca, (inaudível) é louca de fazer 60 horas. Eu não cumpro as 60 horas porque tinha férias atrasadas e tal. Já cheguei ao momento de cumprir 50 horas.
Elsade anuncia, então, um novo formato de trabalho que manterá o sistema de bater ponto e sair meia-noite, não cumprindo integralmente os plantões de 12 horas. A ideia é deixar claro que os médicos poderão fazer jornadas menores, baterem o ponto e depois terem as horas faltantes justificadas ou abonadas pelos superiores.
— A Carla (Baumvol Berger, médica responsável pela gestão de relógio-ponto) vai pegar o ponto de vocês e fazer esses ajustes de soma. E essa coisa da noite, de ter de sair, bater, isso ela consegue justificar também neste formato. Porque no formato de plantão tem que ser naquele formatinho ali, da periodicidade.
Contrapontos
A SES-RS disse que Carla Baumvol Berger e Laura Sarti Oliveira somente vão se manifestar na sindicância em andamento.
Já o ex-diretor Eduardo Elsade negou que a reunião tivesse por objetivo burlar a jornada dos médicos. Os ajustes citados seriam uma forma de justificar quebras de horários.
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