Quando se candidatou na concorrência para recolher lixo em Porto Alegre, a B.A. Meio Ambiente (de nome fantasia BA Ambiental) já estava mergulhada em processo de recuperação judicial no Pará, onde fica sua sede. Conforme documentos da Justiça, a dívida, na época, girava em torno de R$ 78 milhões.
A prefeitura de Porto Alegre chegou a declarar a empresa inabilitada, mas depois de recursos e decisões judiciais, a B.A. Meio Ambiente acabou vencedora da licitação para um contrato de cerca R$ 40 milhões por um ano, prorrogável por mais 60 meses.
Até mesmo uma ação popular tentando barrar a contratação empresa chegou ao Poder Judiciário. Na petição, foi registrado: "pelas informações coletadas pelo autor popular, a celebração do contrato administrativo entre a licitante vencedora e a administração pública municipal, revela-se extremamente lesivo ao interesse público e poderá acarretar num colapso da prestação de serviço público de relevância ímpar, que é a coleta de lixo domiciliar". A ação, de 2015, ainda aguarda julgamento.
— Na verdade, receio que seja julgada improcedente. Passou o tempo, se consolidou o prejuízo. O que se viu nestes anos foi uma constante precarização do serviço público com calotes constantes — diz um dos advogados que atua no processo, Ederson Garin Porto.
Desde a vigência do contrato até o início de maio, foram aplicadas 275 sanções à empresa, o que corresponde a 10 advertências e 260 multas, no valor total de R$ 2,5 milhões, conforme a prefeitura.
A empresa só participou da licitação aberta em 2013 porque foi amparada por decisões judiciais. De fato, a prefeitura inabilitou a B.A. Meio Ambiente por falta de documentos exigidos no edital. E essas certidões não podiam ser obtidas por uma empresa em recuperação. Então, houve decisão judicial liberando a concorrente de apresentar determinados documentos. Além disso, após questionamento do Executivo municipal, o Tribunal de Justiça do Pará emitiu certidão atestando que a empresa estava "apta" a participar de licitações.
Conforme a prefeitura, quando a Justiça diz que uma empresa pode participar de um certame e a concorrente apresenta o menor preço, não há o que questionar. Desta forma, em 2015, o contrato foi assinado.
Em 2017 e 2018, houve paralisações de funcionários da B.A. Meio Ambiente por dificuldades com pagamentos. Em 2018, a prefeitura lançou pregão eletrônico para fazer nova contratação em função de problemas na empresa. Questionando a licitação lançada, a B.A. Meio Ambiente recorreu à Justiça para paralisar o processo e, em abril de 2020, o certame foi definitivamente anulado.
Houve nova tentativa de contratação em julho de 2020, mas foi anulada por erro de edital. Em outubro do ano passado, foi anunciada a concorrência 15/2020 em busca de novo fornecedor dos serviços, mas o processo foi suspenso um mês depois por decisão judicial solicitada pela B.A. Meio Ambiente.
Em dezembro, sem tempo para nova contratação e para garantir a continuidade dos serviços, a prefeitura renovou extraordinariamente o contrato com a empresa com prazo de mais um ano ou até ser concluído novo processo de contratação.
Em fevereiro, a concorrência 15/2020 foi retomada, mas em abril, sofreu nova paralisação por decisão da Justiça atendendo, novamente, a pedido feito pela B.A. Meio Ambiente. A prefeitura informou nesta sexta-feira (11) que o edital foi republicado em 7 de junho. O valor máximo do contrato previsto no edital é de R$ 58,6 milhões.
Históricos de contratação para coleta de lixo
- Desde 2011, o DMLU recorria a contratações emergenciais para executar o serviço essencial da coleta domiciliar, em razão da suspensão da contratação regular por decisão judicial. Em 2013, foi aberta a Concorrência 05/13 visando à contratação regular do serviço. O processo foi finalizado no âmbito administrativo e teve como vencedora a empresa B.A. Meio Ambiente Ltda
- Em 6 de outubro de 2015, foi assinado o contrato regular dos serviços de coleta domiciliar com a empresa B.A. Meio Ambiente. A empresa, que teria 90 dias, prorrogáveis por no máximo 30 dias, para dar início ao serviço, solicitou começar a operação a partir do dia 23 de novembro. No entanto, a Ecopav, empresa que executava emergencialmente o serviço desde 27 de maio de 2015, deixou de realizar alguns roteiros no dia 5 de novembro daquele ano e abandonou o serviço. Diante da situação, o DMLU optou pela rescisão do contrato com a Ecopav e contratou emergencialmente a B.A. Meio Ambiente, vencedora da licitação, que solicitou o término do contrato de um mês para se adequar às exigências do edital e iniciar o contrato regular, o que ocorreu no dia 7 de dezembro de 2015
- Com vigência até dezembro de 2021, o contrato 08/2015 encontra-se suspenso administrativamente para averiguação de supostos descumprimentos à legislação trabalhista. A decisão foi publicada em edição extra do Diário Oficial de Porto Alegre (Dopa) do dia 09/06/2021. A empresa tem 15 dias para apresentar a defesa. Com a suspensão contratual, o Município tem condições de buscar uma contratação emergencial
- Os trabalhadores da B. A. Meio Ambiente paralisaram as atividades na terça-feira (8) e reclamam do não pagamento de benefícios, como férias, por parte da B.A. Meio Ambiente. Não há débitos do DMLU para com a empresa. Em vistoria realizada esta semana, representantes do Município tomaram conhecimento de que muitos trabalhadores — a maioria estrangeiros — não têm vínculo empregatício com a empresa, fornecendo serviço como microempreendedores individuais, o que não atende ao previsto no contrato
- A concorrência atual também esteve paralisada por decisão judicial (mandado de segurança 5028832-61.2021.8.21.0001), que acolheu pedido da empresa B.A. Ambiental. A abertura das propostas, agendada para o dia 26 de março, não ocorreu. Na ação, a empresa questionava a planilha orçamentária contida no edital, especificamente no que se refere ao preço dos combustíveis (gasolina e óleo diesel). O edital foi republicado em 7 de junho. O valor máximo do contrato previsto no edital era de R$ 58.631.510,54.
Contrapontos
O que dizem a B.A. Meio Ambiente e seu dono, Jean de Jesus Nunes
A advogada que representa ambos em Porto Alegre, Priscilla Zacca Moyses, pediu que a reportagem enviasse e-mail com os questionamentos na quinta-feira (10). Nesta sexta-feira (11), informou por meio de uma secretária do escritório que a empresa não vai se manifestar.
O que diz a prefeitura de Porto Alegre
Conforme a prefeitura, quando a Justiça diz que uma empresa pode participar de um certame e a concorrente apresenta o menor preço, não há o que questionar. Desta forma, em 2015, o contrato foi assinado.