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Em meados 2017, emergiram do Beira-Rio os primeiros rumores de irregularidades na gestão de Vitorio Piffero (2015-2016) no Inter. Pela primeira vez na história, o Conselho Deliberativo do clube havia rejeitado as contas de um presidente, responsável pela inédita queda para a Série B no Brasileirão.
Uma consultoria havia apontado graves falhas de controle interno. Entre elas, negócios com quatro empresas supostamente fantasmas, que teriam recebido R$ 9,9 milhões por serviços não realizados. O relatório não citava mais detalhes. A pedido do Inter, a partir de novembro daquele ano, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual, passou a investigar o caso em completo sigilo, e o assunto gerava cada vez mais especulações. Em janeiro de 2018, em entrevista a jornalistas de GaúchaZH, o ex-presidente Vitorio Piffero refutou as suspeitas, se dizendo vítima de uma perseguição política.
No mês seguinte, o Grupo de Investigação do Grupo RBS (GDI) entrou em campo. A primeira ação foi descobrir os nomes das empresas. Buscas de dados na Junta Comercial, Indústria e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul indicavam o histórico de proprietários, endereços e telefones das empresas – curiosamente, o mesmo, apesar de estarem localizadas em quatro cidades diferentes.
Visitas às empresas em busca de contato com seus proprietários indicaram, de imediato, que algo não soava bem. Um apartamento em Torres, no Litoral Norte, deveria ser a sede da empresa Keoma Construção Incorporação e Planejamento. Mas o local estava fechado, e ninguém do prédio conhecia a empresa, embora notas fiscais no valor de R$ 5,3 milhões deram entrada da tesouraria do Inter, cobrando por obras não realizadas. O GDI teve acesso à cópia dos documentos, revelando que a empresa recebeu R$ 635 mil referente a sete notas fiscais por "serviços de limpeza de área para sondagem no CT do Inter em Guaíba". A obra não existiu, e o clube sequer tinha licença da Fepam para intervenção no local naquela época.
Dias depois, o dono da Keoma procurou o GDI para afirmar que a empresa estava fechada desde 2011 e que jamais trabalhou para o Inter. Ele disse que talonários fiscais em branco teriam ficado com um antigo sócio, Ricardo Bohrer Simões, dono da Pier Serviços Eireli, que emitiu notas fiscais equivalentes a R$ 1,5 milhão por supostos trabalhos executados ao Inter. O GDI procurou a empresa e constatou que a Pier não tinha sede fixa, apenas um endereço para receber correspondências na Avenida Carlos Gomes, na Capital.
Por meio de atas da Câmara Especializada de Engenharia Civil do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do RS (CREA-RS), o GDI identificou que o engenheiro Simões, em 2015, foi responsável técnico de duas empresas do ex-vice-presidente de Patrimônio Emídio Marques Ferreira. Simões se mostrava um dos elos entre empreiteiras e o Inter.
Na Vila Augusta, em Viamão, o GDI encontrou uma casa modesta onde seria a empresa em nome de Estela Regina Rocha da Silva, outra "fornecedora" do Inter. Vivendo no local há quatro décadas, uma das moradoras garantiu que só ouviu falar em Estela quando carteiros ou oficiais de Justiça batiam à porta, tentando entregar cartas ou intimações.
A casa de Estela foi encontrada em outro bairro da cidade, o Jardim Universitário. No pátio, betoneiras e máquinas, indicando o verdadeiro endereço da empresa, administrada pelo marido de Estela, Osvaldo Florentino da Silva, cujas notas fiscais emitidas apontaram que o Inter pagou a ela R$ 1,7 milhão.
A terceira prestadora do Inter também estava em nome de mulher, Rejane Rosa de Bitencourt Eireli. A empresa funcionaria no bairro Partenon, na Capital, onde nunca tinha sido vista. A sala, indicada no cadastro da Receita Federal, era ocupada por Osvaldo Florentino da Silva, que havia comprado o CNPJ de Rejane, uma ex-vizinha dele.
— Vendi a empresa por uns R$ 5 mil ou R$ 6 mil — afirmou Rejane ao GDI.
O Inter desembolsou R$ 1,7 milhão para essa segunda empresa sob controle de Florentino. Ao ser questionado pelo GDI, ele disse ter prestado serviços de limpeza e pintura ao clube, e que a reportagem deveria "ver lá no Beira-Rio".
O telefone das quatro empresas soava na Análise Assessoria Contábil, estabelecida no bairro Partenon, na Capital, gerenciada por Adão Silmar Fraga Feijó. Contador das empresas de Bohrer e de Florentino, Feijó tinha sido procurador de uma quinta empreiteira, a Egel, que recebeu R$ 194 mil sem ter realizado serviços ao Inter. Em Balneário Gaivotas, no litoral sul catarinense, o GDI localizou a sede da Egel: uma casa modesta, misturando alvenaria e madeira, onde vive uma cabeleireira, sem qualquer sinal de empresa.
Ao analisar contratos sociais de empresas ligadas ao ex-vice-presidente de finanças do Inter Pedro Affatato, o GDI revelou que a Rodoseg Segurança e Engenharia Rodoviária Ltda, pertencente a irmãos dele, emitiu 10 notas fiscais que somaram R$ 1 milhão, referentes a confecção e instalação de guard-rail no entorno do Beira-Rio. Medições no local apontariam que o valor cobrado não corresponderia ao serviço prestado. Além disso, como diretor de clube, Affatato não poderia ter contratado empresa de parentes – a lei que estabeleceu o Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) proíbe tal prática entre dirigentes.
Textos, imagens e entrevistas produzidas pelo GDI auxiliaram os trabalhos da Comissão Especial do Conselho Deliberativo do Inter que apurou as práticas dos ex-dirigentes. Em outubro de 2018, Piffero, Affatato, Emídio Ferreira e Alexandre Limeira foram punidos com a proibição de concorrer a cargos eletivos no clube por 10 anos. Grande parte das revelações do GDI agora serão alvo de processo na 17ª Vara Criminal do Fórum Central da Capital contra 14 denunciados.