Uma mulher que trabalha em uma empresa de tele-entulho revelou ao Grupo de Investigação da RBS (GDI) um esquema lucrativo que começa com o descarte de lixo e aterro em áreas da Região Metropolitana. De acordo com ela, nesses locais são criados loteamentos, também irregulares.
— Eles (grupos formados para invadir) escolhem o espaço, uma área que não está sendo utilizada, vão lá e invadem. No momento que está aterrado, que está bonitinho, eles começam a vender os terrenos, muitas vezes para pessoas que nem têm necessidade. Várias vilas na Região Metropolitana e de Porto Alegre começaram dessa forma — relata.
A reportagem constatou que, enquanto parte da área é aterrada com lixo, casas já estão sendo construídas e terrenos estão sendo vendidos, confirmando a denúncia.
— Depois, ele (comprador) segue pagando 125 (reais) para associação — conta a mulher.
A associação a que ela se refere é a Chapecoense, e o dinheiro mensal seria para pagar um escritório de advogados:
— Ele vai pagando 125 (reais) até quando tiver que pagar, até quando tiver o acerto com o advogado, é o dinheiro que entra para o advogado, daí — complementa.
Durante a negociação, aparece uma mulher, que se apresentou como Gisa e diz representar a associação, e um homem, identificado como Júlio. Eles afirmam que dois advogados ajudaram em outras invasões na Capital. Confira o diálogo com a reportagem:
Gisa — É o Paulo René e o Rafael Menezes (advogados).
Repórter — São conhecidos?
Gisa — Sim, conheço eles há mais de quatro anos.
Repórter — E lá no outro (terreno), já foi com eles?
Gisa — A mesma coisa.
Repórter — Qual?
Júlio — No Parque dos Maias, na Dois Irmãos, é o mesmo advogado dali.
Repórter — Mas regularizou tudo lá?
Júlio — É, ele regularizou, ele acertou tudo lá. É a mesma coisa, é o mesmo que tá aqui. Entendeu?
Gisa — Aqui é uma área do Demhab.
Repórter — Do Demhab?
Gisa — Foi invadida faz um ano e meio, nunca teve audiência de nada, de nada. Nunca veio ninguém aqui pra tirar a gente, porque tem o advogado (...).
Ministério Público diz que atuação é ilegal
De acordo com o promotor Cláudio Ari Pinheiro, da Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, a atuação dos advogados é irregular:
— Tivemos há alguns anos situações bastante semelhantes com escritórios de advocacia iniciando esse processo de ocupação, coordenando ocupação e depois inclusive a venda de lotes. Nesse episódio, tivemos investigação da Promotoria Criminal, que inclusive ainda investiga o caso. E se, de novo, estivermos diante desse tipo de situação, ou seja, de uma organização por parte de escritórios de advocacia ou de qualquer outro tipo de entidade, voltará a haver investigação criminal pra tentar punir os responsáveis por esse tipo de atividade que, além de ser criminosa, é altamente prejudicial à população, que acaba sendo enganada ao achar que está comprando um terreno para morar, quando na verdade está comprando um grande problema na sua vida.
Contraponto
O advogado Paulo René, citado pelos integrantes da associação comunitária, pertence ao escritório Defensa Assessoria, que atendeu a associação no início da invasão a respeito de um processo de reintegração de posse, mas diz não ter conhecimento de vendas de terrenos e que não recebe nenhum pagamento.
O advogado Rafael Menezes, que também trabalhava na Defensa Assessoria, não atua mais no escritório. A reportagem tentou contato por telefone, mas não conseguiu.