
Uma quinta empresa — além das quatro que receberam R$ 9,9 milhões entre 2015 e 2016 — surgiu na lista de prestadores de serviço do Inter sob suspeita de ter se beneficiado de pagamentos sem realizar nenhum trabalho.
O caso envolve a Empresa Gaúcha de Estradas (Egel). Apesar do nome, atualmente está sediada em Balneário Gaivota, em Santa Catarina.
A Egel obteve junto ao clube o repasse de R$ 194.331,20, mediante três transferências bancárias feitas nos dias 1º, 12 e 19 de julho de 2016. Foi registrado que a empreiteira emitiu a nota fiscal 101, em 26 de junho de 2016. A Baker Tilly Brasil, consultoria que auxiliou o Conselho Fiscal do Inter, tentou fazer um exame do processo de contratação e da comprovação das despesas da Egel, mas as informações e documentações não foram fornecidas pelo clube. No mesmo procedimento, a Baker Tilly buscava averiguar a situação de outras construtoras.
"Não foram disponibilizadas para as nossas análises os processos de contratação das empresas Keoma Construção, Incorporação e Planejamento, Egel — Empresa Gaúcha de Estradas e Pier Serviços, todas prestadoras de serviço de construção civil, material, mão de obra e equipamentos", diz relatório da Baker Tilly finalizado em março de 2017, ao qual teve acesso o Grupo de Investigação da RBS (GDI), contendo análise das contas de 2016 do clube.
Não foi possível saber quais teriam sido os serviços da Egel que demandaram o pagamento de R$ 194,3 mil pelo Inter. O gasto foi registrado contabilmente na rubrica "Complexo Beira-Rio — Instalações complexo — Beira-Rio".
O Conselho Fiscal, ao questionar o motivo de a gestão de Vitorio Piffero não ter fornecido os documentos para análise da consultoria, foi informado sobre a possível perda dos papeis. O órgão, que é independente, com prerrogativa de emitir recomendações e promover fiscalizações, pediu providências quanto aos fatos em reunião no dia 3 de abril de 2017, conforme registrado na ata 008, que se refere ao exame das práticas da gestão de Piffero, entre 2015 e 2016.
Um ofício foi enviado ao atual presidente Marcelo Medeiros recomendando que se "instaure sindicância no sentido de apurar a ocorrência de extravio de documentos da área de patrimônio, incluindo-se a apuração e imputação de responsabilidades acerca do fato".
A vice-presidência de Patrimônio, de onde supostamente teriam sumido os arquivos, foi comandada por Emídio Ferreira no período sob exame, entre 2015 e 2016. Consultado por ZH, Ferreira afirmou que não se manifestaria.
O ex-vice de Finanças do Inter na gestão de Vitorio Piffero, Pedro Affatato, afirmou que o valor foi pago não por uma única obra ou serviço, "mas por várias despesas atuais no complexo, tais como reformas, manutenção predial, construção, reparos de pequenas e grandes montas". Segundo ele, a documentação pertinente às obras e serviços realizados em contrapartida ao pagamento de R$ 194.331,20 foi disponibilizada ao Conselho Fiscal e encaminhada ao acervo do clube para guarda e arquivo.
É muito estranha a informação, agora, de que tais documentos foram extraviados. Ao tempo em que encerramos a nossa gestão, todos esses documentos estavam arquivados
PEDRO AFFATATO
Ex-vice de Finanças do Inter
O ex-presidente Vitorio Piffero disse que as obras foram executadas.
— As empresas referidas nos questionamentos foram parceiras do clube, juntamente com inúmeras outras, e prestaram diversos serviços, todos eles contratados, pagos e efetivados. Tais serviços foram auditados pela Baker Tilly ao longo dos anos de 2015 e 2016. A referida empresa de auditoria disse, ao tempo de seus relatórios em nossa gestão, que as obras contratadas pelo clube foram realizadas, analisando inclusive levantamento fotográfico. Minha gestão jamais sonegou ou extraviou documento algum. Se isso ocorreu, é problema (a ser investigado, aliás) da gestão atual. Tudo o que está sendo especulado é fruto, conforme eu disse anteriormente, de uma retaliação política pelo rebaixamento do clube.
Contador foi procurador da Egel
Não é só pelo fato de ter obtido pagamento sob suspeita do Inter que a situação da Egel se assemelha à das construtoras Keoma, Pier Serviços, Estela Regina Rocha da Silva e Rejane Rosa de Bittencourt Eireli — as quatro que receberam R$ 9,9 milhões do clube sem ter contrato de prestação de serviço assinado e sem identificação das supostas obras realizadas.
Há pelo menos um elemento que conecta a Egel com as outras quatro. Nos dois anos da gestão Piffero, o contador Adão Silmar de Fraga Feijó, dono da Análise Assessoria Contábil foi nomeado procurador da Egel, com amplos poderes para representá-la e administrá-la. Feijó também é contador das empresas que receberam os R$ 9,9 milhões. A primeira procuração da Egel em nome de Feijó foi registrada em 2 de março de 2015, em Imbé, com validade de um ano. Na segunda, registrada em Viamão em 7 de julho de 2016, com prazo de cinco anos de vigência, Feijó é novamente empoderado procurador da empreiteira. Mas, desta vez, também foi nomeado para agir pela Egel o empresário Ricardo Bohrer Simões, proprietário da Pier Serviços, uma das quatro construtoras que recebeu pagamentos do Inter sob suspeita. Ou seja, a Egel tem relações com as demais empreiteiras, formando um quinteto de CNPJs envolvidos nas operações sob exame. Quando a Egel recebeu do Inter as duas últimas parcelas do pagamento de R$ 194,3 mil, Feijó e Simões detinham procuração em vigor com plenos poderes para atuar em nome da construtora.
Desconheço as procurações. Não estou lembrado. Eu operei nessa empresa na época como contador
ADÃO SILMAR DE FRAGA FEIJÓ
Contador, proprietário da Análise
O GDI foi até o local onde seria a sede da Egel, no número 1.358 da Rua João Batista Garcia, em Balneário Gaivota, próximo de Sombrio, em Santa Catarina. A rua é de chão batido e não há nenhum resquício de uma construtora de estradas no endereço. O imóvel indicado nos documentos da empresa é uma casa simples, que mescla cômodos de madeira e de alvenaria na cor lilás. Quem mora na residência é a cabeleireira Eliana Cardoso Lima, 59 anos.
— Moro aqui há sete anos com a minha mãe e uma neta. Nunca teve Egel ou outra empresa. Faz cerca de três anos que pessoas começaram a vir aqui procurar por Egel, mas não sei quem são. Nunca perguntei — diz Eliana.
Em novembro de 1999, a empresa chegou a ter a falência decretada pela Primeira Vara Judicial de Taquara, cidade gaúcha em que ela era sediada à época. Depois, foi reabilitada.
Uma investigação do Ministério Público, iniciada depois que o Inter tomou a iniciativa de entregar o resultado de diagnóstico das suas contas feito pela consultoria Ernst & Young (EY), está em curso no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Um dos focos da apuração é a relação do clube com as prestadoras de serviço, os pagamentos, muitos deles feitos por meio de adiantamentos, sem a assinatura de contratos, sem comprovação de despesas e com a possibilidade de as obras jamais terem sido realizadas.