A empresa Safeconecta, que faz testes de monitoramento de ônibus por GPS em parte da frota da Carris, tem como um dos sócios Michel Costa, diretor-técnico da Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa) e presidente do Conselho de Administração da própria Carris.
Para evitar conflito de interesses, a lei federal 13.019, que regula parcerias entre o poder público e organizações da sociedade civil, proíbe parceria ou colaboração do governo com empresas que tenham vínculos com gestores públicos da mesma área. Inclusive, um decreto municipal publicado pela prefeitura de Porto Alegre depois do acordo veda a seleção de especialistas que tenham "interesse direto ou indireto" nos testes feitos para analisar novas tecnologias.
Os testes executados pela Safeconecta são parte dos estudos para contratar uma tecnologia que, entre outras melhorias, permite a passageiros saber quanto tempo o ônibus demora para chegar. Instalar o GPS em toda a frota da Capital pode representar um investimento entre R$ 9 milhões e R$ 12 milhões.
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Costa transita em várias frentes da instalação de tecnologias no setor de mobilidade da Capital – e tem entre suas atribuições selecionar empresas para testes. Como diretor da Procempa, participa da coordenação do planejamento, armazenamento e análise de dados. Na Carris, como presidente do Conselho de Administração, atua na definição de rumos da companhia.
As informações sobre a parceria, firmada em fevereiro com a empresa, não teriam sido divulgadas no Diário Oficial do Município ou no portal da prefeitura na internet.
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Em paralelo às atividades na prefeitura, Costa se mantém como sócio de 13 empresas privadas, segundo dados do sistema oficial de consulta de CNPJ da Receita Federal. A maioria dos empreendimentos é dedicada ao desenvolvimento de tecnologias para o transporte público, como rastreamento via GPS, pagamento de passagem com cartões, câmeras de segurança, reconhecimento facial dos usuários e softwares diversos. No Rio, onde tem sua sede, a Safeconecta foi a responsável pela instalação de sistemas informatizados na frota de coletivos.
A tecnologia no transporte coletivo da Capital é uma das prioridades da atual gestão, conforme destacou o prefeito Nelson Marchezan em um vídeo publicado na sua página no Facebook em 4 de março: "Vamos colocar neste ano ainda todas aquelas tecnologias que a gente combinou nos ônibus. O reconhecimento facial, a bilhetagem eletrônica, o GPS que já iniciou em alguns ônibus".
A parceria da Carris com a Safeconecta começou no final de fevereiro de 2017, quando 15 ônibus da linha T12 passaram a ser monitorados pelos equipamentos de GPS. Depois, as linhas T1 e 353 foram incluídas no projeto-piloto. No momento, a empresa monitora 35 veículos da Carris.
Na fase de testes, não há custos para o município. A Safeconecta instalou os equipamentos, orientou funcionários da Carris que operam a ferramenta e disponibilizou um link e um aplicativo onde as pessoas podem acompanhar a localização de cada coletivo monitorado.
O retorno por investir em um período de testes é que a empresa pode receber da prefeitura um "atestado de capacidade técnica". Neste documento, o município certifica que ela conseguiu operar a tecnologia, o que a credencia para disputar e, eventualmente, vencer a licitação e fornecer a solução.
O valor do aluguel de cada GPS, estimam Procempa e Carris, deve ficar entre
R$ 90 e R$ 120 ao mês. Para instalar em cerca de 1,7 mil ônibus da Capital, o montante por um contrato de médio prazo de 5 anos deverá variar entre R$ 9 milhões e R$ 12 milhões. A prefeitura pretende fazer a licitação e instalar equipamentos em 100% da frota da Capital até o final de 2017.
Em 27 de fevereiro, ocupantes de cargos de chefia da Carris trocaram e-mail para tratar da Safeconecta, empresa que recebeu o primeiro convite para fazer os testes - e única a operar até o momento. "Boa tarde, solicitamos autorização para instalação de GPS da empresa Safeconecta (Líder no mercado de gerenciamento logístico, a Safeconecta é uma empresa especializada em rastreamento e monitoramento veicular)", registrou a mensagem, informando na sequência os prefixos dos ônibus que receberiam as tecnologias de Costa.
Dias depois, em 1º de março de 2017, a EPTC expediu documento interno para manifestar concordância. "O expediente em questão trata de solicitação da Carris para teste piloto de equipamento de monitoramento. (...) A empresa que fornecerá o equipamento e dará suporte ao teste é a Safeconecta. (...) Desta forma, somos favoráveis ao teste", definiu a EPTC, registrando ainda que o GPS da empresa de Costa é "tecnologia com potencial de utilização no Sistema de Transporte Público Coletivo de Porto Alegre".
Em reportagem sobre tecnologias para o transporte, publicada em ZH no dia 1º de março, Costa afirmou que a empresa que fornecia os aparelhos de monitoramento dos coletivos para teste chamava-se GPS Conecta. Na verdade, esse é um nome antigo, usado até dezembro de 2015, antes de o empreendimento sofrer uma fusão com a gaúcha Safebus, quando passou a se chamar Safeconecta.
Lei proíbe parceria com empresa de funcionário público
Pouco mais de duas semanas depois de iniciado o projeto-piloto entre Safeconecta e Carris, o prefeito Nelson Marchezan publicou decreto para regulamentar testes de "soluções inovadoras". Ficou definido que as experiências podem ocorrer por chamamento público ou iniciativa de empresa interessada, com previsão de dar publicidade aos atos.
O acordo com a Safeconecta, portanto, foi iniciado antes da existência do decreto que regulamentou as parcerias. Neste regramento, a prefeitura definiu que as iniciativas respeitariam as normas federais 8.666, conhecida como Lei das Licitações, e a 13.019, que regula as parcerias entre poder público e organizações da sociedade civil.
Pelo menos um artigo da lei 13.019 sugere que a atuação de Costa possa ser irregular:
"Ficará impedida de celebrar qualquer modalidade de parceria prevista nesta lei a organização da sociedade civil que: tenha como dirigente agente de Poder ou do Ministério Público, ou dirigente de órgão ou entidade da administração pública da mesma esfera governamental na qual será celebrado o termo de colaboração ou de fomento, estendendo-se a vedação aos respectivos cônjuges ou companheiros", diz o artigo 39, no inciso terceiro. O artigo 27, inciso segundo, ainda diz que a comissão de seleção das empresas interessadas em fazer testes não poderá ser integrada por pessoa que, nos últimos cinco anos, tenha mantido relação jurídica com ao menos uma das entidades envolvidas.
Seria mais um impedimento a Costa – responsável pelas análises de "novas tecnologias", ele está designado na prefeitura para selecionar empresas para fazer os testes.
Consultados por Zero Hora, representantes de concorrentes alertam que Costa, ao atuar ao mesmo tempo na Procempa, na Carris e como sócio de uma empresa interessada pode estar obtendo informações privilegiadas. Já o decreto 19.701, publicado por Marchezan em março para regular os "testes de soluções inovadoras", diz que especialistas recrutados para avaliar as tecnologias devem "declarar, sob as penas da lei, não possuírem interesse direto ou indireto com a solução apresentada, nem com o interessado".
CONTRAPONTO
Zero Hora tenta desde a noite de quarta-feira (12) ouvir o diretor da Procempa. Desde o começo da tarde de quinta-feira (13) também procura ouvir a posição da prefeitura. A última promessa foi de que haveria uma manifestação até as 15h45min desta sexta-feira (14), mas isso não ocorreu até a publicação desta reportagem.