
O prenúncio da enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024 deu seus primeiros sinais na propriedade de Valdir Melchior ainda na noite de segunda-feira, em 29 de abril, dias antes de chegar à Região Metropolitana. A cerca de 200 quilômetros de Porto Alegre, produtores da comunidade Vila Passa Sete, na área rural de Candelária, ainda não sabiam, mas testemunhavam o início de uma tragédia.
— A água já vinha alta lá de cima — relata Valdir, apontando em direção ao norte.
Em questão de horas, o produtor rural perdeu cerca de dois terços de sua área plantada em decorrência do avanço das águas do Rio Pardo, metros além do seu leito normal, arrebentando matas ciliares, lavando o material orgânico e depositando toneladas de cascalho e areia sobre lavouras.
No caso de Valdir, o impacto recaiu sobre a soja e o tabaco e levou a uma perda de 12 hectares de terras cultiváveis. A casa da família, datada de 1870, escapou por estar numa posição mais alta.
Estamos tentando colocar os pés no chão e começar a trabalhar de novo
VALDIR MELCHIOR
Agricultor
Prejuízos milionários
Relatório da Emater aponta que, em Candelária, os prejuízos com a enchente de 2024 somaram R$ 46,2 milhões, sendo a maior parte sobre o arroz. A cultura sofreu perdas de 420 mil sacos, entre grãos não colhidos ou destruídos em silos. O levantamento também apontou impactos nos bovinos de corte e em maquinários.
— A gente acredita que levará mais uns três ou cinco anos para que volte à condição anterior que se tinha de produção — afirma Sanderlei Pereira, chefe do escritório municipal da Emater em Candelária.
A tentativa de recuperação de áreas plantadas no município passa por um trabalho de desassoreamento do Rio Pardo. Uma parte da ação já foi financiada a fundo perdido pela Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja-RS), no valor de R$ 700 mil. Outra parte foi doada por três empresas de tabaco, no valor de R$ 80 mil. Ajuda saudada pelos agricultores, mas ainda insuficiente frente ao tamanho dos estragos.

Impactos na agroindústria
Em Candelária, a enchente não afetou diretamente apenas lavouras. Em outro ponto da Vila Passa Sete, uma agroindústria localizada a cerca de 200 metros do leito do Rio Pardo quase fechou, dando fim a uma tradição familiar centenária.
O recuo da água gerou fissuras no solo, o que condenou o galpão de produção de melado e as duas casas da família Hennig, além da perda de cinco hectares de cana-de-açúcar.
Integrante da sétima geração de proprietários da área, Maria Elisa Hennig e o marido, Givanildo de Souza, chegaram a decretar a mudança para a cidade.
— A gente não tinha matéria-prima, que foi tudo embora com a enchente, não tinha agroindústria, que foi totalmente estragada, e não tinha onde morar naquele primeiro momento. Foi difícil — relata Givanildo Souza.

A decisão por permanecer produzindo melado e plantando cana-de-açúcar no interior de Candelária passou por apoio técnico da Emater, que orientou a construção de um novo galpão em uma área mais elevada, além de outras instruções.
Entre elas, a busca de financiamento via Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper), cujo contrato foi assinado há duas semanas.
É com esse recurso que a família Hennig projeta recuperar o investimento de cerca de R$ 40 mil realizado com o objetivo de iniciar a recuperação da agroindústria.
— A gente se animou a continuar porque a gente gosta do que faz. No fundo, a gente queria ficar, continuar - afirma Maria Elisa Hennig.
