
Quando regiões de clima subtropical precisam buscar soluções que vêm de biomas como a caatinga, é porque algo não está se comportando como deveria. Ainda que os meios pareçam improváveis, é de possibilidades como esta, baseadas na ciência e na tecnologia, que a produção agropecuária brasileira vem buscando se adaptar frente às mudanças do clima.
Secas cada vez mais frequentes e de intensidade severa, alternadas a períodos de chuva extrema e inundações, viraram pano de fundo nos últimos anos para que inovações direcionadas ao campo fossem mais exploradas. Muitas delas com serventia direta ao momento climático do Rio Grande do Sul.
Buscadas na raiz do mandacaru, uma planta típica de climas áridos, é de um tipo específico de bactérias que surge a fonte para a produção de bioinsumos resistentes ao calor. Aplicados às sementes, tornam as cultivares mais resilientes ao estresse térmico, permitindo que se desenvolvam mesmo em meio à falta d’água.
Desenvolvimento de bioinsumo
A tecnologia desenvolvida pela Embrapa e colocada no mercado em parceria com a empresa Nooa foi apresentada na Expodireto deste ano, em Não-Me-Toque, no norte do RS. Reconhecida por revelar tecnologias de ponta para o setor, a feira trouxe os desafios climáticos como tema, um sinal claro de que é preciso se adaptar.
Técnico de Transferência de Tecnologia da Embrapa Meio Ambiente, Anibal Eduardo Vieira Santos conta que foram necessários 15 anos desde o desenvolvimento do bioinsumo até se chegar a um modelo comercial, batizado como Auras. Um trabalho que precisa de tempo e de ciência para acontecer.
Descobriu-se que a resistência era uma bactéria que estava na própria planta. Ela fixa na raiz, estimulando o crescimento com maior captação de água, criando um filme protetor que ajuda na proteção das raízes. Isso garante reserva maior de água para as plantas conseguirem sobreviver Com o uso do bioinsumo, o objetivo é que o produtor consiga colher a sua produção estimada.
ANIBAL EDUARDO VIEIRA SANTOS
Técnico de Transferência de Tecnologia da Embrapa Meio Ambiente
O produto é registrado para uso na soja, no milho e no algodão. Na feira de tecnologia, atraiu grande interesse dos produtores. Segundo os especialistas, a frequência das intempéries tem acelerado a procura por inovações que mitiguem as ações do clima.
— Temos estudos que mostram que, nos últimos 15 anos, em pelo menos 12 tivemos perdas em produção de grãos. É preciso reagir — comenta Eduardo Assad, engenheiro agrônomo, professor do FGVAgro e membro do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Adaptar e mitigar
Para Assad, a mudança da lógica produtiva passa por alguns caminhos. O primeiro deles é apresentar soluções para que a economia continue funcionando, e a mais rápida para isso, no caso dos grãos, vem da genética. Depois, são os sistemas integrados, entre eles a agricultura regenerativa, que inclui técnicas de plantio direto, plantação de cobertura, integração lavoura-pecuária e rotação de culturas.
— Aí sim, começamos a mudar. A agricultura regenerativa já está nas mãos de agricultores, de fazendas grandes e pequenas. Quem pratica a agricultura ABC (política pública que fomenta as práticas sustentáveis de produção) perde muito menos do que quem não a pratica. A diferença chega a ser de 20% a 25% — diz Assad.
Pesquisador na Embrapa Meio Ambiente, Rodrigo Mendes avalia que ganha força no país a transição da agricultura “tradicional” para a agricultura regenerativa. Duas estratégias levam a isso: mitigar e adaptar. Segundo o pesquisador, ambas as ações necessitam de políticas públicas de direcionamento e de práticas que acontecem diretamente nas propriedades rurais.
A agricultura brasileira já tem um histórico de boas práticas. Um dos pilares dessa adaptação é ter cultivares que se adequem a essas condições, onde a Embrapa tem bastante participação. Combinar manejo adequado com genética da planta é um passo muito grande.
RODRIGO MENDES
Pesquisador na Embrapa Meio Ambiente
Incentivos públicos e privados
As ações de fomento aos cultivos sustentáveis juntam forças no público e no privado. No Rio Grande do Sul, há um esforço crescente nos últimos anos para desenvolver startups e soluções que abordem os desafios do agronegócio e das mudanças climáticas.
A secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia encabeça parte das iniciativas ligadas à tecnologia.
Em outra ponta, a secretaria da Agricultura trabalha junto aos agricultores para difundir práticas amigáveis ao ambiente, como o manejo do solo e a redução das emissões de carbono. O objetivo é o aumento da produtividade de forma sustentável, garantindo também renda aos produtores.
Em ainda outra frente, o Piratini lançou projeto para reintroduzir mais de 6 mil mudas de espécies florestais nativas no Estado, dos biomas Pampa e Mata Atlântica, especialmente para recuperar a flora nativa do Rio Grande do Sul afetada pelas enchentes de 2024.
Investimento em pesquisa

Na tentativa de adaptar os cultivos aos novos cenários climáticos, começam a se multiplicar no mercado as variedades de sementes mais resistentes aos extremos, em especial aos de estiagem, que desde 2020 se acentuam no Rio Grande do Sul.
A última safra de verão considerada “cheia” no Estado, sem danos por intempéries, foi em 2021, quando houve recorde na produção de grãos. Em 2024, quando tudo se encaminhava para uma nova marca histórica, a água da enchente tomou a reta final da colheita, impactando parte da produção. A imprevisibilidade, portanto, tornou-se uma constante na agropecuária do Estado, ou um novo recado para se adaptar.
Desenvolvida nas Missões do Rio Grande do Sul, uma das regiões mais extremas no Estado quando o assunto é calor, a Soytech 616 é uma das variedades de soja disponíveis no mercado para os novos tempos. Criada pela gigante Basf, promete plantas mais resistentes a cenários de altas temperaturas.
Gerente de portfólio de sementes de soja da Basf, Fábio Faria explica que os diferenciais da cultivar estão em adaptabilidade e estabilidade. Ambas as características têm potencial para uma produção estável ao longo dos anos, o que justifica o investimento por parte do produtor, inclusive com boa performance das plantas em “condições normais” de clima.
Ela (a planta) tem uma sanidade radicular muito poderosa. Ou seja, consegue buscar uma condição favorável de água no solo em mais profundidade. Não só sobrevive, como tem rendimento.
FÁBIO FARIA
Gerente de portfólio de sementes de soja da Basf
Para além das sementes, o gerente lembra que são os esforços em várias frentes que mantêm a sustentabilidade de uma produção agrícola. Por isso, os pilares da companhia estão em diversas linhas de desenvolvimento, da planta à proteção dos cultivos. Os investimentos globais da companhia em pesquisa passam de 900 milhões de euros, segundo a Basf.
Olhar para os dados

Entender o clima pelos dados que ele mesmo gera é outro recurso que tem ganhado espaço entre os agricultores e as empresas de tecnologia com a finalidade de reduzir perdas na produção agropecuária.
— Tem muita gente usando o clima como insumo e não somente como informação. O futuro está aí — garante o professor do FGVAgro, Eduardo Assad.
O especialista menciona que a variação pelas alterações climáticas é um quadro que atinge o país todo, mas que algumas porções são mais suscetíveis, como já indicavam pesquisas de décadas atrás. Regiões do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são consideradas áreas de grande risco.
— São áreas muito vulneráveis ao clima e se tornaram ainda mais nos últimos anos. Por enquanto, ainda tem solução. Quando vejo o que foi discutido em Não-Me-Toque, penso, “opa”, tem futuro. Quando vejo o governo investindo dinheiro, vejo que tem caminho. Não existe bala de prata, é uma ação conjunta — diz Assad.
A análise dos dados fornecidos pelo clima se tornou negócio para a IMBR Agro, de Piracicaba, no interior paulista. Com base em informações geradas há mais de quatro décadas, a startup compila os registros e os converte em conhecimento baseado no local da propriedade, o que gera informações de produtividade agrícola.
— É uma base que começa em 1979, ou seja, traz uma robustez muito grande de dado histórico. Isso permite apontar padrões e uma sazonalidade — diz Lucas Koren, fundador da IMBR Agro.
A análise da sazonalidade em si é interessante, mas cruzar isso com o desenvolvimento da lavoura é onde está o ganho. Há uma mudança do nível de chuva? De temperatura? Se identificado que sim, novas genéticas podem ser desenvolvidas e demandadas nas regiões afetadas. Da mesma forma, para manejos adequados. Tudo isso embasa a tomada de decisões.
LUCAS KOREN
Fundador da IMBR Agro
Aplicada a lavouras instaladas em regiões suscetíveis a extremos, com o Rio Grande do Sul, a informação gerada pelo clima pode orientar quanto às janelas de plantio. No caso gaúcho, os agricultores têm ajustado os períodos de implantação dos cultivos conforme a necessidade hídrica. Isso faz com que os estágios mais sensíveis do desenvolvimento da planta, como a floração e o enchimento de grãos, escapem dos períodos climáticos mais severos, por exemplo.
— O mais interessante é que você pode testar isso com o algoritmo e não necessariamente perder uma safra. Você testa, avalia os resultados e vê que faz sentido. Se eu transportar o meu plantio para um pouco mais tarde, eu consigo abraçar melhores janelas de chuva e, consequentemente, ter um bom resultado — cita Koren.