A Justiça condenou por racismo um jovem que enviou áudios em um grupo de WhatsApp simulando que estaria sendo abordado em uma blitz da Brigada Militar (BM) e que reagia à ação de uma suposta policial militar que seria negra e gorda.
As falas, no entendimento da Justiça, ainda que o fato nunca tenha ocorrido, ofenderam a coletividade de pessoas de uma determinada raça, etnia, cor ou origem, no caso, as pessoas que se entendem negras. A condenação foi de dois anos de prisão em regime aberto, substituída por duas penas de prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e multa com o pagamento de 10 salários-mínimos. A defesa de Bastos informou que vai recorrer (leia a nota abaixo).
Nos áudios gravados por Gabriel Santos Bastos, 22 anos, e enviados em um grupo de amigos em 2021, há falas como “...tu acha que eu vou deixar uma negra me prender? ... Eu mato ela mas não vou preso, raça desgraçada, nojo”, “baita filha da puta essa Brigadiana, ainda era gorda, era gorda e era negra. Como deixam uma negra virar Brigadiana? Não dá”, “Quem ela acha que ela é, essa raça dela, essa raça desgraçada, quem ela acha que ela é? Brigadiana fudida...” e “tenho pavor a negro... ônibus fedendo a preto, macaco do caralho, eu tenho pavor dessa raça desgraçada”.
O caso veio à tona em 2022, quando então a Delegacia de Combate à Intolerância abriu inquérito. Bastos foi indiciado por racismo. Denunciado pelo Ministério Público, acabou agora condenado pela 3ª Vara Criminal de Porto Alegre. A sentença é do juiz Sidinei Brzuska.
— O racismo é uma das discriminações mais odiosas e intoleráveis da sociedade. Sua gravidade é patente, pois os efeitos psicológicos são nefastos para as vítimas. E, sem dúvida, podemos afirmar que "existe um direito de não-discriminação ou de anti-discriminação, decorrente do próprio direito fundamental à igualdade — registrou o juiz em um trecho da sentença.
Durante a investigação, Bastos não negou ser o autor dos áudios. A sentença diz que em depoimento o réu "reconheceu sua voz nos áudios, confirmou que os enviou em um grupo de WhatsApp e que eram normais "brincadeiras" de cunho racial entre seus amigos. Disse que criou uma "estória", o que definiu como uma fantasia, como uma maneira de chamar atenção". E negou ter tido a intenção de disseminar o racismo.
O racismo é uma das discriminações mais odiosas e intoleráveis da sociedade
JUIZ DA 3ª VARA CRIMINAL DE PORTO ALEGRE
Sidinei Brzuska
— No momento em que o sujeito externa seu pensamento com palavras de cunho racista (sem considerar as de cunho machista e gordofóbico), destilando o seu desprezo e preconceito com relação a pessoas negras; quando se irresigna com o fato de uma mulher negra ocupar um cargo na Brigada Militar, justamente por ser negra (ainda que em uma situação hipotética); quando verbaliza que "essa raça é desgraçada", da qual tem nojo, e que, inclusive, "tem pavor de negro" com "ônibus fedendo a preto, macaco do caralho" - ele extrapola o seu direito (de liberdade de expressão) e incorre no crime de racismo — diz a sentença.
O juiz destacou ainda que não importava se o fato narrado pelo réu era inverídico — a suposta abordagem que ele descreve nos aúdios nunca existiu, ele mesmo admitiu ser uma invenção —, e explicou que se fosse real o ataque a uma PM negra, o crime seria de injúria racial, pois as falas estariam dirigidas a uma pessoa específica e não à coletividade.
O que diz Samir Nassif, advogado de Gabriel Santos Bastos:
A defesa não concorda com a decisão e irá recorrer. Em que pese reprovável moralmente o conteúdo dos áudios, não entendemos preenchidos os requisitos para a tipificação penal da conduta.