Em dezembro de 2023, quando a enchente de setembro completou três meses, a zeladora do cemitério de Muçum, Ivete Salton Pegorer, questionou em entrevista à GZH:
— Será que é verdade que vem outra?
O temor de Ivete e dos outros cinco mil habitantes do município do Vale do Taquari se confirmou em maio deste ano. A sequência de tragédias terminou de destruir o que havia sobrado no município. O cemitério, antes apenas destruído, agora é uma pilha de túmulos, lápides e até mesmo estatuetas.
— Muita gente foi levada pela água, só por parte do meu marido foram dois tios dele e a avó. Tem capelas que foram quatro corpos, com caixão e tudo. São muitos jazigos vazios - explicou Ivete.
Além das gavetas vazias, chamava atenção uma capela que foi arrancada do chão junto com o alicerce, e que ficou de ponta cabeça sobre as demais sepulturas. Uma parte dos jazigos desabou junto com a margem do rio. O cemitério deve mudar de lugar, para uma região mais afastada em um terreno doado. Os mortos, agora, são enterrados em cidades próximas, como Vespasiano Corrêa.
Assim como o cemitério, muitos moradores ainda devem mudar definitivamente de lugar, distante do rio e dos morros que desabam.
— Eu acredito que a gente é um povo lutador, que vai dar a volta por cima. A gente espera que as empresas nos ajudem. Tendo empresa, tem emprego e a gente tem o pão nosso de cada dia — emocionou-se o aposentado Roque Aldrovandi, ao comentar sobre moradores que vão precisar deixar a cidade definitivamente.
Vida sobre trilhos
Quando o entardecer se aproxima, uma procissão começa a cruzar pela via rodoviária da Ponte Brochado da Rocha. Do outro lado do rio, são moradores de Roca Sales, mas que têm suas vidas estabelecidas em Muçum pela distância e dificuldade de acesso ao centro do município.
A travessia por carro não existe desde que a parte rodoviária da ponte caiu. A única forma é subir para os trilhos por uma escada íngreme de madeira, construída emergencialmente para facilitar o acesso. Do lado de lá, desde a enchente, também não tem água, nem luz.
Na tarde desta terça-feira (28), Valdir Felicetti iniciava a travessia com o filho e a esposa. Cada um carregava fardos de água e comida nas mãos. Valdir ainda transportava 10 litros de gasolina na mochila.
— É pra garantir o gerador pra dois dias, pra geladeira, freezer, pra gente ter. A gente liga um pouco de manhã, um pouco de noite. E oito e meia já vamos pro leito, dormir — disse ofegante após subir os 92 degraus da escada e chegar em cima dos trilhos, onde ganhou o auxílio de uma espécie de vagoneta, um carrinho que corre sobre os trilhos.
Mas, amanhã e nos próximos dias, a travessia se repete. O filho do casal, Luiz Otávio Felicetti, volta às aulas na Escola Souza Doca, no lado de Muçum.