Sinimbu, município do Vale do Rio Pardo devastado pelo dilúvio que despejou mais de 200 milímetros de chuva em 12 horas esta semana, contabiliza ainda cerca de 400 pessoas que estão ilhadas desde a tempestade. É gente que está sem comunicação, sem comida, sem água potável, mas que de alguma forma conseguiu informar a familiares sua situação. E uma corrente de ajuda tenta resgatar elas, por meio de trilhas abertas na mata, pontes improvisadas e até escadarias em meio ao lamaçal que escorreu dos morros da região.
A reportagem de Zero Hora acompanhou o esforço de bombeiros voluntários, integrantes da Defesa Civil municipal, servidores públicos e voluntários para enviar ajuda aos 400 isolados. Muitos deles não querem sair de suas casas, apenas requisitam comida, água e roupas. O desejo é respeitado, a menos que exista risco de vida.
A principal ponte de Sinimbu, que divide a cidade ao meio, teve uma das cabeceiras destruídas, perdeu as guardas laterais e teve várias rachaduras provocadas pelo Rio Pardinho. Está inviável para tráfego de veículos, mas as pessoas cruzam ela a pé, mesmo correndo risco de queda do outro lado das águas revoltas. Para garantir um pouco de segurança, armaram uma rampa de madeira com pequenas saliências para impedir que os pés escorreguem. E descem por ela, ajudando umas as outras. O objetivo é alcançar comunidades situadas do outro lado do rio, que não conseguem se comunicar com a parte central da cidade, nem com outros municípios. Estão isoladas.
O isolamento dessas pessoas situadas em frente à área central, mas do outro lado do rio, é relativo. Só não conseguem transportar coisas pesadas, pela falta de acesso rodoviário, mas podem carregar sacolas. Já famílias que moram em morros ou vales mais distantes estão sem poder usar carros, sem comunicação virtual e com víveres escassos. Contam apenas com solidariedade de abnegados que se arriscam para cruzar o Rio Pardinho.
É o caso da dona de casa Cristine Inês Kanitz, moradora do distrito rural Rio Pequeno e uma das raras que não teve a casa danificada pelo Rio Pardinho. Ela e seus familiares têm distribuído comida e roupa de cama para vizinhos. Usam o veículo da família para ir até a cidade e buscar mantimentos. E ainda levam a pé até o outro lado do rio, para o Alto Rio Pequeno (distrito totalmente isolado), coisas que o ilhados precisam.
Para concretizar a ajuda, os Kanitz precisam cruzar uma segunda ponte, bem mais destruída que a da parte central de Sinimbu. Essa ponte em Rio Pequeno, erguida na década de 1950, teve parte da estrutura retorcida, quebrada e arrancada pelo Rio Pardinho. Nada disso atemoriza os voluntários, que improvisaram pinguelas (pontes de arame, pênseis) que ligam a estrutura de concreto à estrada que vai a Alto Rio Pequeno, isolada para carros.
Existem pessoas que estão ilhadas, literalmente. É o caso de Aline Blanc Borges, que está com familiares e amigos numa ilha que fica entre os rios Pequeno e Pardinho. Eles estavam num CTG, na terça-feira, quando as águas despencaram morro abaixo, levaram prédios de roldão e subiram uma altura calculada em oito metros. Até já recuaram um pouco, mas não o suficiente para que eles consigam voltar para a cidade. Na tarde desta sexta-feira (3), bombeiros voluntários do Vale do Rio Pardo tentavam chegar até esses isolados, usando um barco de madeira movido a remo e cordas para alcançar o que restou do CTG. Enquanto não conseguiam, se comunicavam aos gritos com os flagelados.
Flagelado diz que cigana previu catástrofe
Rubem José Backes, agricultor aposentado com 67 anos de idade, sempre se orgulhou de morar numa residência mais que centenária (construída em 1919). Pois o Rio Pardinho invadiu a casa, revirou móveis, enlameou tudo e deixou o dono do imóvel com uma tristeza infinita. Tanto que ele quer se mudar o quanto antes, para bem longe das águas.
— Em 1992 uma cigana me abordou, quando passeava em Santa Cruz do Sul. Leu minha mão e disse: quando tu ficar idoso, vai viver uma tragédia, mas vai sobreviver. Não acreditei, era praticamente um jovem. Lembrei disso quando vi o rio entrando pela porta — lamenta Backes.
Na madrugada de terça-feira ele ouvia o radialista Antônio Carlos Macedo, sintonizado na Rádio Gaúcha, que alertava para os riscos da chuvarada incessante. Só percebeu que o perigo tinha chegado na sua casa ao ouvir um estalo metálico e ver uma pinguela (ponte pênsil) desabar, ao lado de sua casa, levada por troncos de árvores flutuantes.
— Tive de sair da casa com água e lama pelo joelho. Quase morri. Não quero mais saber daqui — conclui Backes, em meio a uma crise de choro. Ele passou a semana pegando víveres e remédios no ginásio dos flagelados, em Sinimbu.