Responsável pelo abastecimento de água em quatro cidades da Região Metropolitana, o Rio Gravataí pode chegar ao nível zero nos próximos dias. A marca significa uma redução crítica no volume do reservatório, dificultando a captação e o tratamento de água levada pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) aos moradores de Gravataí, Alvorada, Viamão e Cachoeirinha. A Corsan já instalou uma balsa no leito do rio para facilitar o bombeamento até as estações de tratamento, mas especialistas apontam para a possibilidade de racionamento caso não ocorra chuva forte ao longo de janeiro.
Castigado pela seca e pelas altas temperaturas do verão, o Gravataí é o rio que se encontra em situação mais delicada no Rio Grande do Sul. Das 25 bacias hidrográficas, outras 10 estão em estado de atenção. Em algumas, o déficit hídrico acumulado chega a 700mm.
O cenário é mais delicado no Gravataí por se tratar de um rio de planície, muito plano e com baixa capacidade de armazenamento. Além disso, é muito assoreado, carregando um volume elevado de areia.
Em 2021, o nível mais alto foi alcançado em 17 de setembro, com 3,91 metros. Todavia, só em dezembro já são 22 dias consecutivos de recuo. No dia 8, o nível estava em 1,44 metro. Nesta quinta-feira (30), chegou a 11 centímetros – uma queda de 93%. Como tem caído em média oito centímetros por dia desde terça-feira, é possível que no 1º de janeiro o nível já esteja negativo.
A queda no nível do rio impede a Corsan de captar água nas margens. Além da balsa já instalada nos últimos dias, outra embarcação semelhante deve ser providenciada nos próximos dias. Ainda assim, a água captada é superficial, cujo preparo para consumo humano é mais complicado e oneroso.
— Essa água tem presença de algas, afeta a aceitabilidade. Muitas pessoas não conseguem ingerir com aquele gosto terroso. Então, é um ciclo de problemas que se conjugam nessa época mais quente: baixo nível, chegada das algas e vazão de diluição menor — resume o ex-presidente da Corsan e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) de Porto Alegre, Flávio Presser.
Para evitar um agravamento da situação, desde o dia 28 foi suspensa a captação de água por indústrias e agricultores. De acordo com o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), na região há 10 mil hectares de arroz, 15% deles irrigados diretamente com água do Gravataí. Em 2021, um acordo homologado pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos se tornou normativa, prevendo rodízio quando o nível do rio chega a 80 centímetros. Nesse rodízio, os agricultores captam água durante três dias e param por dois. A suspensão é automática quando o nível cai a 50 centímetros, considerado crítico.
Um novo acerto foi feito no dia 23, após a Corsan afirmar que poderia haver captação mesmo com o volume chegando ao nível crítico. Pelo acordo, os arrozeiros poderiam puxar água dia sim, dia não.
— Isso se revelou inviável. A água seguiu baixando muito e tivemos de manter apenas a captação para consumo humano. Se não chover em janeiro, a água não deve chegar, e, se chegar, não será muito forte — afirma o presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso.
Corsan recomenda evitar desperdício
Procurada, a Corsan reafirmou que a captação de água para agricultura está suspensa desde o dia 28 e que a medida visa garantir o abastecimento público. A empresa disse recomendar que a população evite desperdício em função da grave estiagem e que trabalha para evitar desabastecimento.
“Diversas ações operacionais estão sendo realizadas, garantindo, assim, o abastecimento das cidades onde há maior dificuldade de água bruta. A Corsan está complementando o abastecimento por meio de caminhões-pipas e outras ações, possibilitando, assim, que as cidades se mantenham abastecidas. Neste momento, nenhuma cidade atendida pela Corsan está com racionamento”, diz a nota emitida pela autarquia.
De acordo com a engenheira agrônoma Dayana Machado, do Irga em Viamão, ainda não há relatos de perdas nas lavouras do grão na região. O cenário, porém, é de preocupação crescente com o agravamento da estiagem, sobretudo porque não há previsão de chuvas consistentes para as próximas semanas.
— Ainda não temos lavouras no seco, mas começaram a secar os açudes e as barragens. Para ter influência, precisamos de uma chuva superior a 50mm, mas não temos nada nem perto disso — afirma Dayana.
Na Sala de Situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o cenário também é de alerta máximo, sobretudo nas regiões Leste e Sul. Conforme a hidróloga Marcela Nectoux, houve agravamento da estiagem em todos os pontos monitorados nas 25 bacias hidrográficas. Dez delas estão em situação de atenção, algumas inclusive com nível abaixo de zero: Santa Maria, Ibicuí, Negro, Taquari, Guaíba, Baixo Jacuí, Caí, Sinos e Alto e Médio Uruguai. Essa escassez de chuva se reflete nas cidades. Até esta quinta-feira, ao menos 76 municípios já haviam decretado situação de emergência em função da estiagem.
— Devemos ter chuvas em janeiro, mas sem perspectiva de melhora. Temos um déficit acumulado muito grande, e a chuva que deve vir não é nem a média normal do mês. Pior, como o solo está muito seco, não tem capacidade de retenção. A água cai e vai embora — afirma Marcela.