Não está fácil a vida de pescadores no Rio Jacuí, no interior do Rio Grande do Sul. Com frequência cada vez maior, cada rede tirada da água ostenta apenas as cabeças dos peixes. O restante do pescado tem sido devorado ainda preso às malhas por uma espécie invasora, cujo nome provoca medo: piranha.
As autoridades ambientais do Estado já identificaram o surgimento das chamadas palometas e agora estudam medidas para evitar uma infestação no sistema fluvial gaúcho. O maior receio é de que os animais acabem chegando até o Guaíba, colocando em risco os banhos de quem frequenta as praias da Capital.
Também chamadas de palometas, as piranhas-vermelhas de água doce tem origem na bacia do Rio Uruguai. De acordo com o diretor do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS, professor Nelson Fontoura, é provável que esses peixes tenham ingressado no Estado pela confluência dos rios Vacacaí e Ibicuí, onde se encontram as bacias do Uruguai e do Jacuí. Já há registros da presença de palometas em Vale Verde, Cachoeira do Sul e Rio Pardo.
Por ser uma região com grandes áreas ocupadas por lavouras de arroz, é provável que os animais tenham sido tragados durante a retirada de água para irrigação das plantações.
— Na região central do Estado, os caras usam bombas com um cano de um metro de diâmetro, chupando água da bacia do Rio Uruguai e jogam nas lavouras, cujos afluentes são riachos da bacia do Jacuí. Então os filhotes ou larvas de peixes que a bomba chupa de uma bacia acaba caindo em outra — explica o zoólogo Roberto Esses dos Reis, professor de biologia da PUCRS.
De acordo com os pesquisadores, foi dessa maneira que outras espécies invasoras acabaram sendo introduzidas no Estado num passado recente, como a corvina de rio e o tambicu. No caso das palometas, se trata de uma espécie muito voraz e adaptável, que causa inevitável desequilíbrio ambiental.
Além de consumir os demais peixes, pode inclusive atacar humanos, sobretudo se o banhista tiver algum ferimento nos braços ou pernas.
— A palometa é um predador. Para o pescador, ela come todos os peixes que ficam na rede. Também problema para quem toma banho. Não é o caso de tu caires no rio e ela te comer inteiro, mas ela morde. Pode tirar um pedacinho do dedo — afirma Fontoura.
Ainda não há uma amostragem científica da invasão das piranhas. Como se trata de um fenômeno recente, pesquisadores e autoridades ambientais recém estão começando a lidar com a questão. O maior receio é de uma multiplicação muito rápida da espécie, o que dificultaria a erradicação e principalmente uma chegada até o estuário do Guaíba.
— Não tem como frear. Uma vez que o bicho entrou, já era. E o Jacuí deságua no Guaíba, um grande lago muito propício para piranhas. Elas se dão bem nesse ambiente, sem correntezas. Mas ainda não temos nada por aqui — diz Reis.
Alertada pela população ribeirinha, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente estuda maneiras de evitar uma proliferação das palometas. O diretor do Departamento de Biodiversidade da pasta, Diego Melo Pereira, tem conversado com autoridades ambientais do Paraná que enfrentaram problemas semelhantes e pretende pedir ajuda a órgãos federais como o Ibama e ICMBio. Uma das alternativas é permitir a pesca de arrasto para tentar diminuir a presença dos peixes nos rios.
— É uma briga. Estamos identificando barramentos, seja pequenas centrais hidrelétricas ou pontos de elevação de nível, onde se poderia promover uma pesca quase predatória para redução populacional. Não há muitas alternativas e nem a localização exata desses peixes. Mas é um rio que atravessa quase todo o Estado e elas estão presentes nesse curso d’água. Então o risco de chegar aqui (no Guaíba) é real — admite Pereira.