A lei que proíbe a queima de fogos de artifício ruidosos vigora no Rio Grande do Sul desde 11 de dezembro do ano passado, mas na prática não saiu do papel. Em quase quatro meses, nenhum inquérito foi gerado, ou qualquer multa aplicada a quem descumpre as normas estabelecidas, que autorizam apenas shows pirotécnicos com até cem decibéis, verificação que leva em conta uma distância de cem metros do local de deflagração. Aparatos sem som estão permitidos.
A delegada Priscila Salgado, da Divisão de Armas, Munições e Explosivos da Polícia Civil, credita a falta de sanções a dois fatores: desconhecimento dos canais de denúncia e impossibilidade de colocar nas ruas equipes que ajam no momento em que acontecem os foguetórios.
— Tenho o mesmo sentimento que muitos quando ouço os fogos barulhentos: há descumprimento. Mas é impossível colocar uma viatura para procurar o local da deflagração. Precisamos de consciência e de denúncias — afirma.
O canal para denúncias é o (51) 9-8444-0606. A delegada afirma que ações preventivas podem ser realizadas, desde que haja informação sobre algum evento clandestino, ou um endereço no qual o ato esteja previsto.
— Nos jogos decisivos de futebol, todo mundo ouve os fogos, o que mostra também que há um grande desrespeito por parte de algumas pessoas — complementa.
A lei em âmbito estadual foi aprovada a partir de um projeto da deputada Luciana Genro (PSOL). Inicialmente, a proposta restringia a deflagração da pirotecnia que gerasse qualquer ruído. No entanto, uma emenda do deputado estadual Tenente-Coronel Zucco (PSL) liberou os fogos de artifício com até cem decibéis. A atribuição de fiscalização pela Polícia Civil partiu do governo do Estado.
Luciana Genro sugere que a população grave flagrantes de descumprimento da medida e apresente as provas aos órgãos de segurança. O uso de um aplicativo que afere os decibéis, disponível para smartphones, pode contribuir para reforçar as evidências.
— É um paliativo, mas pode gerar responsabilização posterior. Pelo menos, se aquela pessoa for multada, não vai mais fazer o uso dos fogos. Ela passa a ser mais cuidadosa porque doeu no bolso — avalia.
A parlamentar considera que a situação será resolvida somente com a proibição da venda desse tipo de artefato. A medida, no entanto, foge à competência da parlamentar:
— Só se pode proibir em âmbito federal. Enquanto isso, o que posso fazer é seguir pressionando o governo do Estado para trabalhar em ações de conscientização do mal gerado pelo barulho — sugere.
Consciência
Os autistas estão entre os mais prejudicados por quem desobedece a legislação. Operadora de telemarketing, Thais Rodrigues, 40 anos, precisa tapar os ouvidos do filho quando um foguetório tem início.
Em outros casos, há necessidade de adaptação do espaço de convivência para amenizar o impacto, como na casa da professora Érika Rocha, 41 anos. Moradora do bairro Partenon, zona leste da Capital, a docente pregou madeira nas janelas, no forro e nas portas, a fim de abafar o som externo. Intolerante ao barulho, sua filha, Angelina, 4 anos, já teve convulsões durante foguetórios na vizinhança.
— Mesmo tendo a lei que proíbe a queima de fogos, muitos não respeitam — lamenta a mãe.
Nesta sexta-feira (2), será celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Ao lado de músicos gaúchos, ela lançará uma canção em homenagem à luta das famílias com diagnósticos da síndrome. O projeto pretende expor a dificuldade na inclusão das crianças autistas na rede de escolas públicas, inclui informações sobre tratamentos especializados e dos direitos garantidos pela Constituição, entre outros serviços por vezes desconhecidos da população em geral.
Multa e legislação municipal
Idosos e acamados também sofrem com o excesso de barulho causado pelos artefatos. Além deles, os animais também são vítimas dos estrondos.
Quem descumprir a lei estará sujeito à multa, que pode variar entre R$ 2.069 e R$ 10.388, valor que será dobrado na hipótese de reincidência em um período de 30 dias.
Soltar fogos com estampido em Porto Alegre infringe duas leis: o município tem, desde 21 de dezembro de 2020, projeto que também proíbe o ato. A proposta do vereador Aldacir Oliboni (PT) proíbe o uso de objeto barulhento, sem exceções.
Segundo o texto, "queimar fogos de artifício, bombas, morteiros, busca-pés e demais fogos ruidosos, exceto fogos de vista, que produzem efeitos visuais sem estampido" são vedados em logradouros públicos. Em caso de infração, as multas irão variar de 700 a 1.200 Unidades Financeiras Municipais (UFMs, que em 2021 vale R$ 4,4602 cada). A prática também fica proibida nos estádios de futebol ou em qualquer praça de esportes, com previsão de multa de 250 a 1.200 UFMs em caso de desobediência à lei.
— Não sou contra o espetáculo pirotécnico com bonito efeito de luzes, mas abomino os fogos que só geram estrondos, que provocam riscos de mutilação ou morte aos seres humanos e tornam-se instrumentos de tortura e morte de animais — ponderou Oliboni à época.